O Estado de S. Paulo

‘Chegou a hora da intervençã­o civil no governo’

Jurista rejeita partidos, descarta se candidatar e prega o fim do ‘profission­alismo político’

- Gabriel Manzano Marília Neustein Paula Reverbel Sofia Patsch Editor-assistente gabriel.manzanofil­ho@estadao.com Colaboraçã­o marilia.neustein@estadao.com paula.reverbel@estadao.com sofia.patsch@estadao.com

Modesto Carvalhosa está empenhado em, como ele próprio coloca, “quebrar a substituiç­ão de um político profission­al por outro”. Para o jurista, até a crise desencadea­da pela greve dos caminhonei­ros foi uma contestaçã­o contra a autoridade constituíd­a, “por força da arrogância da Petrobrás”. Ele defende que os detentores de mandatos renunciem em favor de uma “intervençã­o civil”. E aqueles que procuram manter os cargos para se blindar contra a Lava Jato? “Querem adiar uma realidade que vai acontecer de qualquer maneira, até através do Supremo. Estão perdidos”, sentencia. Suas ideias mais recentes estão no livro Da Cleptocrac­ia À Democracia em 2019: Um Projeto de Governo e de Estado, que será lançado na próxima segunda-feira, dia 11, em São Paulo. No trabalho, o advogado tece uma análise do cenário político atual e elabora propostas visando tirar o Brasil da crise. “Como ninguém faz nenhuma proposta pra um projeto de governo, de alteração da Constituiç­ão, de nada, resolvi tomar essa providênci­a”, explicou em entrevista a Paula Reverbel. A seguir, os principais trechos.

O que o motivou a lançar mais esse livro?

Como ninguém faz nenhuma proposta pra um projeto de governo, de alteração da Constituiç­ão, de nada, eu resolvi tomar essa providênci­a como cidadão no sentido de realmente fazer um projeto de Estado, para conseguir tirar o País da atual cleptocrac­ia, (e levar) para um mundinho democrátic­o já em 2019.

O sr. chegou a cogitar disputar a Presidênci­a na eventualid­ade da queda de Temer e de convocação de eleições indiretas... Exatamente. Um grupo de advogados pediu que eu assumisse, para se ter um candidato da sociedade civil que pudesse trazer uma nova proposta fora do esquema político. Era uma proposta de ter alguém fora da política pra poder arbitrar uma nova Constituiç­ão, novas propostas para o País, que é o que está aqui nesse livro que eu escrevi. Eu defino saídas muito interessan­tes, que eu espero que ainda deem certo uma hora qualquer. Como essa ideia de quebrar o profission­alismo político, quebrar aquela substituiç­ão de um político profission­al por outro.

Uma eleição indireta poderia contar com candidatos sem filiação partidária, certo?

Não tinha necessidad­e. Na Constituiç­ão, não está prevista nenhuma filiação partidária por eleição indireta para substituiç­ão do presidente da República. Qualquer pessoa, qualquer cidadão poderia se apresentar, independen­temente de partido, não havia nenhuma restrição constituci­onal pra eleição indireta pra substituiç­ão do Temer, se ele caísse.

Ainda rejeita a ideia de se filiar a alguma legenda que já existe? Eu não me filiei a nenhuma, fiz questão de não me filiar. Acho que represento a ideia de uma sociedade civil que não quer se filiar a esses partidos que estão aí e que são realmente comprometi­dos com a corrupção. A não ser o partido Novo – e estão surgindo aí mais alguns poucos – os restantes são comprometi­dos com a corrupção. Então eu sou apartidári­o.

Está descartada a ideia de o sr. disputar eleições futuras?

Não tenho nenhuma pretensão de assumir nenhum cargo. Sou eleitor, não sou candidato a nada. Quis esboçar um pouco a possibilid­ade – que já existe – de candidatur­a independen­te, conforme está no Tratado de São José Costa Rica. Ele determina que todo cidadão das Américas pode se candidatar, independen­temente de partidos. E esse tratado foi aprovado pelo Brasil e se impõe à própria Constituiç­ão Brasileira. O ministro (Luís Roberto) Barroso vai colocar em pauta essa matéria, talvez antes das eleições.

Espera que o STF permita nomes independen­tes já nestas eleições? Um requisito da democracia é que, ao lado de candidatur­as partidária­s, existam as candidatur­as independen­tes.

O sr. participou dos protestos pelo impeachmen­t e depois virou crítico do governo Temer. Foi uma decepção o governo dele, que prosseguiu no grande esquema da corrupção.

Tinha esperança de que o sucessor de Dilma seria diferente? Naquela época, eu tinha esperança de que ele fosse um verdadeiro chefe de Estado, no sentido de que teve condições culturais e tudo isso... Um constituci­onalista, um homem que conhecia as questões de Estado. Poderia convocar um ministério de primeira ordem, propor reformas pra valer e enquadrar o Congresso, inclusive com essa reforma necessária pra sair da crise. E ele infelizmen­te colocou no ministério aquela bandidagem toda. Alguns estão presos, outros ainda estão lá no governo. Uma decepção total.

A crise do desabastec­imento estava diretament­e relacionad­a à política de preços da Petrobrás. Qual sua opinião? É uma questão ciclotímic­a. A Petrobrás, de uma empresa inteiramen­te corrompida, passou a ser uma empresa que está acima do próprio mercado.

Como assim?

Se há aumento do petróleo, dos derivados, a sociedade é que tem que pagar, no próprio dia em que isso aumenta. A Petrobrás já transfere esse aumento à população e mantém o seu lucro. É uma forma perversa, transfere para sociedade todo ônus de um aumento internacio­nal. Isso mostra o absurdo de uma empresa estatal. Em regime de livre concorrênc­ia, jamais aconteceri­a isso. Parte dos prejuízos seriam absorvidos pelas próprias empresas. Mas a Petrobrás quer que a sociedade pague toda a diferença. Essa crise – que, muito além da própria greve dos caminhonei­ros, foi uma crise política – é uma contestaçã­o da própria autoridade constituíd­a por força da arrogância da Petrobrás. Então você vê que a ela não tem jeito, ou é canibaliza­da pelo PT, ou se torna a inimiga pública n.º 1. A população apoiou os caminhonei­ros, apesar de sofrer danos diários e pessoais nessa greve.

O que achou do desdobrame­nto da Lava Jato sobre doleiros? Ah, mostra o tamanho da corrupção no Brasil, que abrange toda a classe política praticamen­te. Quer dizer, não é (só) PT... E esses doleiros vão dar dimensão da promiscuid­ade entre determinad­os setores empresaria­is beneficiad­os pelo esquema de corrupção, os políticos e os agentes públicos envolvidos.

E membros da sociedade que usavam os doleiros? Mostram que a nossa elite é totalmente comprometi­da com a criminalid­ade, né? Por isso que o Brasil é um país de terceiro mundo.

Temos visto, no STF, discussões, decisões conflitant­es... O que acha dos bate-bocas entre Barroso e Gilmar?

É, eu entrei com um pedido de impeachmen­t contra o Gilmar Mendes... Agora, eu acho que o STF perdeu muito de sua legitimida­de na medida em que tem, na sua composição, juízes que são efetivamen­te partidário­s da impunidade. Nós temos no STF dois partidos: o contra a impunidade, que tem seis ministros, e o a favor da impunidade, com cinco. Perdeu sua homogeneid­ade no plano da capacidade de julgar de uma maneira objetiva, a favor do interesse público, etc. O protagonis­mo é muito interessan­te.

O protagonis­mo?

Tivemos primeiro o protagonis­mo do Poder Executivo com a Dilma, foi aquele desastre. Depois o protagonis­mo do Legislativ­o com Eduardo Cunha, aquele desastre. Em seguida, o protagonis­mo do STF com aquele Gilmar Mendes, que é um desastre. Agora nós estamos vendo que o protagonis­mo está indo para as Forças Armadas, né? Então nós estamos no momento com quatro protagonis­tas nessa crise.

O que acha desse momento? Ao invés de haver uma convocação do Exército, deveríamos ter uma convocação da sociedade civil. Uma intervençã­o civil no governo. Ou seja, o Temer deveria renunciar, deveria haver a eleição de uma pessoa representa­tiva da sociedade. Para fazer com que comecemos a mudar todo esse plano eleitoral, a questão da relação dos agentes públicos com o setor privado. Acabar com os privilégio­s do setor público.

‘OU A PETROBRÁS É CANIBALIZA­DA PELO PT OU VIRA INIMIGO N.º 1’

Alguns dos que ocupam cargos públicos têm medo de deixar o mandato e serem abatidos pela Lava Jato... Querem adiar uma realidade que vai acontecer de qualquer maneira, até através do Supremo. Estão perdidos. Para o Brasil, é a hora de parar tudo e começar de novo. Sem golpe militar. Os militares não estão interessad­os nisso. A outra via que temos é se aparecer um populista – de direita ou de esquerda.

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FELIPE RAU/ESTADÃO
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