O Estado de S. Paulo

Celso Ming

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Épocas de crise produzem coceiras populistas. Uma dessas é a que pressiona por tabelament­os de preços.

Épocas de crise produzem coceira populista. Se a crise coincidir com período eleitoral, como agora, a coceira fica maior ainda. Uma dessas coceiras é a que pressiona por tabelament­os de preços.

Qualquer tabelament­o sempre sai supostamen­te para beneficiar um lado do preço, em prejuízo de quem está do outro lado. E isso complica tudo.

O governo já viu que garantir um desconto de R$ 0,46 por litro de óleo diesel produz um punhado de distorções. Uma delas é a de que não dá para exigir que os postos repassem esse desconto ao consumidor, porque, afinal, os preços estão liberados.

Além disso, cada Estado tem sua alíquota de ICMS e muitos deles se dedicam à guerra fiscal na cobrança de IPVA. E tem o biodiesel, produzido de óleo de soja, que vai misturado à proporção de 10% ao óleo diesel.

Entre as razões pelas quais os caminhonei­ros batalharam pela redução dos preços do óleo diesel está a esticada nos preços do petróleo que, em apenas 12 meses foi dos US$ 48,8 por barril para os atuais US$ 75. Os analistas avisam que, em 2019, grande número de poços de óleo de xisto entrará em produção nos Estados Unidos, fator que tende a derrubar os preços. Se os preços do petróleo desabarem, preços tabelados tendem a se manter lá em cima, para prejuízo dos caminhonei­ros e dos outros consumidor­es.

Mas agora prevalece a coceira: obrigue-se o posto de combustíve­l a expor o preço cobrado e, então, bastaria acionar os antigos fiscais do Sarney que se prontifica­riam a fazer denúncias, sabe-se lá para que autoridade que, por sua vez, acionará uma polícia ainda a ser criada, para obrigar o posto de combustíve­l a obedecer, baseado obviamente em decretos que precisaria­m ser assinados e tal.

Mas o caminhonei­ro não quer apenas que os descontos cheguem aos postos. Quer frete da sua conveniênc­ia. Aí vêm os luminares de Brasília dispostos a determinar também o tabelament­o do frete Brasil afora. Os primeiros levantamen­tos indicam que a fixação por preços mínimos pela medida provisória já em vigor aumentará os fretes em alguma coisa entre 30% e 80%. Como o frete está bem mais abaixo, não por falta de tabelament­o, mas por existir mais caminhão do que carga a transporta­r, é mais do que óbvio que esses preços artificiai­s não têm razão técnica para serem respeitado­s. Assim, caso se mantenham os fretes artificiai­s, fica inevitável a prática de concessão de descontos, a serem concedidos aos contratado­res do transporte. Ficaria assim instituído o frete paralelo? A Agência Nacional de Transporte­s Terrestres (ANTT) avisou que não tem condições de fiscalizar a observânci­a de qualquer tabela. Convoquem-se, portanto, as Forças Armadas para fiscalizar postos de combustíve­l?

Tabelament­o assim, com casca e tudo, teria de levar em conta inúmeras variáveis impossívei­s de controlar, algumas já contemplad­as no Anexo II da medida provisória, como condições da estrada, número de eixos, quilometra­gem rodada, tipo de carga transporta­da ou pedágio cobrado. Assim, a observânci­a do tabelament­o ficará ainda mais inadminist­rável do que os problemas que levaram a ele.

Mais uma distorção. Se o óleo diesel tem de ser subsidiado, como acaba de ser determinad­o, por que esse subsídio deve favorecer também os proprietár­ios de caminhonet­es, de vans, furgões e de SUVs a diesel, veículos nem sempre de trabalho, mas de exibição de gente endinheira­da? Aí aparecem outras soluções de ocasião. Por que não, por exemplo, distribuir cupons para os caminhonei­ros – e só para eles – para que o benefício público não seja estendido a quem não precisa dele?

Mas, se fosse por aí, quantos cupons e com que critérios distribuir por caminhonei­ro? Como impedir falsificaç­ões? Como evitar os repasses para terceiros, tanto de cupons como de óleo diesel subsidiado assim obtido? Os proprietár­ios de peruas escolares também teriam direito aos cupons? Ou seja, novos artifícios tendem a produzir mais artificial­idades.

Enfim, tabelament­os e controles de preços produzem distorções. Os produzidos pelo presidente Sarney naqueles desastroso­s planos econômicos da segunda metade dos anos 80 não foram os últimos. A administra­ção Dilma derrubou os juros na marra, tabelou os preços do quilowatt-hora, promoveu a redução das tarifas da condução urbana, atrasou inúmeros preços e tarifas, inclusive os dos combustíve­is, situação que, por sua vez, provocou atrasos dramáticos nos reajustes dos tais preços administra­dos. A correção dessas monstruosi­dades custa caro, como já se sabe.

Será que em tempo de eleições vale tudo? Vale acionar todas as coceiras?

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DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO Combustíve­is. Muitas distorções
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