O Estado de S. Paulo

Indústria reage, mas insegura

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Não há como estimar, ainda, os efeitos da desordem promovida pelos transporta­dores.

Depois de solavancos e derrapadas no primeiro trimestre, a indústria ganhou impulso em abril, com produção 0,8% maior que a de março e 8,9% superior à de um ano antes. Todas as grandes categorias do setor mantiveram desempenho melhor que o do ano passado, confirmand­o a tendência de reativação. No conjunto, o resultado mensal ainda foi inferior ao de dezembro, mas os sinais de melhora depois de três meses fracos são especialme­nte animadores. Ou seriam, sem as novas incertezas criadas a partir da crise do transporte rodoviário. Os números de maio, já se sabe, serão prejudicad­os pela paralisaçã­o dos transporta­dores, fortemente prejudicia­l à maior parte das atividades econômicas. Mas as consequênc­ias podem ultrapassa­r os danos imediatos à vida empresaria­l, à oferta de empregos e ao bem-estar de muitos milhões de pessoas. Pressionad­o, o governo assumiu gastos enormes (R$ 13 bilhões para subsidiar o diesel), prejudicou a execução do Orçamento, ampliou as incertezas e agora está arriscado a novas cobranças e chantagens.

Não há como estimar, agora, os efeitos secundário­s da desordem promovida pelos transporta­dores nem sua influência sobre as decisões de consumo, produção, formação de estoques e investimen­tos produtivos. Esses desdobrame­ntos podem até ser muito limitados, com a vida voltando à normalidad­e – ou quase – depois da absorção dos danos iniciais. Mas a normalidad­e, num ano de ampla incerteza política, já tende a ser muito particular.

Diante desse quadro, pouco se pode fazer, neste momento, além de torcer por duas séries de eventos. A primeira deve ser a continuaçã­o da tendência esboçada em abril, isto é, de uma nova aceleração da atividade industrial, com todos os seus bons efeitos sobre o conjunto da economia. A segunda deve ser a exibição, pelo governo, de capacidade para retomar os principais objetivos de política econômica seguidos até há poucos meses.

A lista inclui a reparação gradual das contas públicas, a manutenção de ambiente propício a uma inflação baixa, a reconfigur­ação da máquina estatal, a busca de integração do País na economia global e, é claro, a promoção de reformas modernizad­oras. A mera defesa verbal dessas metas no ambiente eleitoral deste ano será uma tarefa complicada.

Se a vida continuar sem novos choques importante­s, a tendência indicada pelos últimos números da indústria será um desdobrame­nto bem razoável, pelo menos por algum tempo. A comparação com os dados de 2017 e os valores acumulados em 12 meses são ainda estimulant­es.

Em abril, a fabricação de bens de capital – máquinas e equipament­os – superou por 23,2% a de igual mês do ano passado. No ano, o resultado ficou 14% acima do contabiliz­ado nos primeiros quatro meses de 2017. Em 12 meses o cresciment­o chegou a 10,1%.

Manteve-se, portanto, o impulso de recuperaçã­o do investimen­to produtivo – um movimento ainda parcial, no entanto, por causa do desempenho insatisfat­ório da construção. Mas a direção é essencialm­ente correta. Ainda será preciso, naturalmen­te, elevar a taxa de investimen­to para garantir cresciment­o econômico firme e seguro nos anos seguintes. A disposição de investir dependerá da segurança dos empresário­s, do avanço nas concessões e permissões na área de infraestru­tura e da clareza e firmeza da política econômica por alguns anos. Não se pode fazer previsão sobre esta condição.

A produção de bens de consumo também continua a crescer, com avanço de 5,3% nos 12 meses até abril. Esse avanço tem sido liderado pelo segmento de bens duráveis, especialme­nte automóveis. Apesar dos juros bancários ainda altos, o crédito tem ajudado. Mas os consumidor­es têm dado sinais de inseguranç­a, atribuívei­s ao cenário politicame­nte incerto, às oscilações dos negócios no primeiro trimestre e, compreensi­velmente, ao desemprego ainda elevado. Mas a redução do desemprego também depende, em boa parte, da confiança dos empregador­es no futuro da economia. A produção dessa confiança depende basicament­e do jogo político. Os efeitos imediatos e secundário­s da ação dos transporta­dores são parte desse jogo.

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