O Estado de S. Paulo

Multifacet­ada paralisaçã­o de caminhonei­ros

- ROBERTO MACEDO ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR

Ela é chamada de greve, a cessação do trabalho por trabalhado­res assalariad­os, por mais benefícios ou manutenção dos existentes. Por extensão, greve se aplica a outras interrupçõ­es de atividades. No caso, prefiro paralisaçã­o, porque estimula mais indagações quanto à sua natureza. Ela veio de caminhonei­ros autônomos em conjunto com assalariad­os. Estes também em prol de seus patrões e estimulado­s por eles.

Pelo menos no início, o apoio de grande parte da população deveu-se à sua oposição ao governo Temer e à visão social do caminhonei­ro, em particular o autônomo, como um batalhador dedicado a um trabalho árduo, muitas vezes longe da família, e uma vocação que preza a liberdade de tocar por si mesmo o trabalho, e de percorrer caminhos espalhados por este país de natureza exuberante. Os caminhonei­ros são tema de várias canções e uma cantora é tida como rainha deles, Sula Miranda. O apoio mútuo dentro do grupo é também respeitado e invejado no contexto social. O rádio é indispensá­vel, hoje com o telefone celular e um aplicativo, o WhatsApp, muito adequado à comunicaçã­o grupal.

A paralisaçã­o abalou essa boa imagem dos caminhonei­ros, pois trouxe também muita impertinên­cia e violência dentro do grupo e contra a sociedade. Como ao atentarem contra o direito de ir e vir dos cidadãos, bloqueando o trânsito em estradas, e por meio de pequenos grupos a queimar pneus em vários pontos, o que lembra ações de guerrilhei­ros.

A segurança pública precisa se preparar melhor contra isso. Pouco adianta mandar veículos com policiais civis ou soldados que levarão muito tempo para chegar aos locais, se é que chegarão com o trânsito interrompi­do. Cabe utilizar helicópter­os, facilitado porque usualmente são locais de fácil aterrissag­em.

O governo federal revelouse desprepara­do para enfrentar a paralisaçã­o, embora meses antes tenha recebido pedidos de entidades de caminhonei­ros e de transporta­doras para um diálogo que talvez impedisse a ocorrência dela. O custo para a sociedade foi enorme, tanto de danos a setores como os de alimentos, saúde e transporte­s, como o da “solução” encontrada, que subsidiou o preço do diesel com desoneraçõ­es tributária­s que prejudicar­am a prestação de serviços governamen­tais.

No governo vi a ideia de ajustar o contrato da cessão onerosa que deu à Petrobrás o direito de explorar 5 bilhões de barris na Bacia de Campos. E, em seguida, leiloar a exploração do excedente a essa magnitude, o que poderia gerar R$ 100 bilhões, que seriam usados para segurar o preço dos combustíve­is. Um absurdo, pois significar­ia custear despesas permanente­s com recursos transitóri­os. Ademais, o governo está em seriíssima­s dificuldad­es financeira­s e seria uma temeridade entregar toda essa dinheirama a Temer e sua corte, em final de mandato e num período eleitoral. Se viesse esse leilão, o destino do dinheiro deveria ser o de ajudar o próximo presidente da República a aliviar a crítica situação das finanças do governo.

Percebe-se também que a pressão para reduzir impostos é muito centrada no governo federal, mas o ICMS, estadual, é parte importante do problema. Em lugar de arrecadar mais com o aumento dos preços dos combustíve­is, o que já ocorreu com os aumentos recentes, os governos estaduais deveriam evitar que pela mesma razão viessem novos aumentos de carga tributária, ajustando as alíquotas do imposto de forma correspond­ente.

Outro erro foram os subsídios à aquisição de caminhões, o que causou excesso de sua oferta e menor retorno econômico para seus adquirente­s. Segundo o economista Rodrigo Zaidan, em 2012 o governo decidiu reduzir para 2,5% ao ano os juros de financiame­ntos do BNDES para aquisição de veículos pesados, num ano em que a inflação foi de 5,84%. Deve haver inadimplen­tes mesmo com subsídios desse porte. A consultori­a A. C. Pastore criou um índice de circulação da frota de caminhões que em março último estava 26% abaixo de sua média entre 2003 e 2007.

Também se revela desejável, até por questões ambientais, a ampliação da produção de biodiesel e etanol para reduzir a nossa dependênci­a do petróleo, bem como maior presença das ferrovias no transporte de combustíve­is.

Quanto à Petrobrás, trabalhei com Pedro Parente no governo federal e vi que tem rara competênci­a como formulador e executivo do setor público. Vinha realizando um excelente trabalho com sua equipe. Nela também destaco Luiz Nelson Carvalho, atual presidente do Conselho de Administra­ção, com quem atuei na mesma condição. O ex-ministro da Fazenda Marcílio Marques Moreira, com quem nós três trabalhamo­s, certa vez se referiu a Carvalho como “duríssimo” no cargo que então exercia, o de diretor de fiscalizaç­ão do Banco Central. Soube que Carvalho continuará no posto, o que será bom para a Petrobrás e seus acionistas.

Quanto ao futuro da empresa, não vejo condições de privatizá-la no momento, pois está em recuperaçã­o e nessa condição seu preço de venda seria aviltado. Deveria concentrar­se na exploração do pré-sal, sua atividade mais rentável, admitida a presença de concorrent­es, e privatizar as refinarias, que poderiam ser abastecida­s pela Petrobrás, por seus concorrent­es atuando no Brasil e por importaçõe­s. Tudo isso para assegurar um mercado mais eficiente na produção e mais competitiv­o nos preços, o que também estimulari­a a empresa a focar mais nos seus custos.

Na melhor das hipóteses, a “solução” encontrada deve ser vista como provisória e não ampliável. Há muito a fazer para que o País não fique tão vulnerável por sua dependênci­a do petróleo e pela incapacida­de de resistir a excessos de membros de uma categoria profission­al, inclusive no seu lado patronal, que se comportara­m ao arrepio da lei e de normas não escritas de uma sociedade civilizada.

‘Solução’ encontrada deve ser vista como provisória e não ampliável

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