O saldo da reforma trabalhista
Três semanas depois de a 3.ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) ter reconhecido vínculo de emprego de funcionários de telemarketing contratados por instituições financeiras por meio de empresas terceirizadas, determinando a equiparação de sua remuneração e outros benefícios à dos bancários, o Ministério do Trabalho divulgou um parecer jurídico da Advocacia-Geral da União (AGU) afirmando que a reforma trabalhista é aplicável de “forma geral, abrangente e imediata” a todos os contratos de trabalho regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
O que une os dois fatos é a discussão relativa à abrangência da reforma trabalhista, que foi introduzida pela Lei n.° 13.467. Sancionada em julho de 2017 pelo presidente da República, ela entrou em vigor somente em novembro, a fim de que patrões e empregados pudessem assimilar as novas regras trabalhistas. Na mesma linha de uma lei que havia sido aprovada em março do ano passado, disciplinando as relações de trabalho nas empresas de prestação de serviços a terceiros, a Lei n.º 13.467 ampliou as possibilidades de contratação, permitindo às empresas terceirizarem, sem restrições, suas atividades principais (chamadas de atividade-fim). Até então, com base numa súmula do TST, as demais instâncias da Justiça do Trabalho só aceitavam a terceirização da atividade-meio, ou seja, das funções que não estão diretamente ligadas ao objetivo principal das empresas.
Em novembro de 2017, ao regulamentar as inovações introduzidas por essa lei, o governo baixou a Medida Provisória (MP) n.° 808, reafirmando que as novas regras seriam aplicáveis a todos os contratos de trabalho vigentes. Contrárias à reforma trabalhista e com apoio do Ministério Público do Trabalho, as entidades de juízes trabalhistas reagiram, alegando que essas regras seriam aplicáveis apenas aos contratos firmados depois da entrada em vigor da Lei n.° 13.467.
De lá para cá, sindicatos trabalhistas e procuradores do trabalho levaram o caso ao Supremo Tribunal Federal (STF). A MP n.° 808 caducou no mês passado, por não ter sido votada em tempo hábil pelo Senado. Ao julgar o caso de duas ações judiciais interpostas por atendentes de empresas de telemarketing que prestam serviços a bancos, os ministros da 3.ª Turma do TST seguiram o entendimento de suas entidades corporativas. “Em respeito ao princípio da segurança jurídica, assegurando-se estabilidade das relações já consolidadas”, os contratos anteriores à vigência da Lei n.° 13.467 devem ser analisados com base nas regras válidas na época em que foram firmados, alegou o relator, ministro Maurício Godinho Delgado. Ele também afirmou que os contratos de trabalho sub judice teriam se encerrado antes da entrada em vigor da Lei n.° 13.467.
Em seu parecer, a AGU afirmou que decisões como essas geram incerteza jurídica. Também disse que, independentemente de a MP n.° 808 ter caducado, a reforma trabalhista continua sendo aplicável conforme a redação original da Lei n.º 13.467 “a todos os contratos regidos pela CLT, inclusive àqueles iniciados antes da vigência desse texto legal e que continuaram em vigor após 11 de novembro de 2017”. E ainda informou que, apesar de seu parecer não ter força de lei, ele é um ato administrativo que “gera vinculação e obrigatoriedade interna” no âmbito do Ministério do Trabalho. Em outras palavras, segundo a AGU as diretrizes do parecer terão a partir de agora de ser seguidas por todos os órgãos de fiscalização trabalhista.
Embora o período de adaptação de patrões e empregados às novas regras trabalhistas ainda seja pequeno e polêmicas como essa venham dominando as decisões da Justiça do Trabalho, o saldo da reforma trabalhista é positivo, o que é atestado pela queda do número de novas ações judiciais. E quando o TST concluir a revisão de suas súmulas com base nas novas regras e o STF julgar os recursos que questionam a constitucionalidade da Lei n.° 13.467, o que ainda levará algum tempo, esse saldo só tenderá a aumentar.