Monarquia saudita usa repressão para impor moderação a ultraconservadores
Ao mesmo tempo em que busca reduzir a influência dos conservadores salafistas, que defendem o islamismo radical, o príncipe Mohamed bin Salman tem promovido outros, até mesmo alguns que se opõem à concessão de mais direitos para as mulheres
Os islamistas conservadores da Arábia Saudita estão tontos com a perda de influência no país. Eles foram por muito tempo uma força que demonstrava arrogância, mas hoje aparecem apenas sorrateiramente em mídias sociais, como o Twitter. Em mesquitas e em reuniões comunitárias, eles criticam com hesitação as mudanças às quais antes se opunham, como o afrouxamento das barreiras entre homens e mulheres.
O arquiteto dessas mudanças é Mohamed bin Salman, o jovem e ativo príncipe herdeiro. Suas promessas para modernizar a Arábia Saudita abrangiam uma redução da influência dos conservadores salafistas, que defendem um conceito muito estrito do islamismo que, segundo afirmam, era praticado durante a época do profeta Maomé, no século 7.º, e pelas gerações imediatamente após.
As ambições de Salman o colocaram em choque com a poderosa rede salafista que constitui a força política mais coesa fora da família real, dizem analistas. Para mantê-los em silêncio, ele tem usado intimidação e, ao mesmo tempo, a conciliação.
Clérigos salafistas populares conhecidos por sua independência foram presos. No entanto, o príncipe tem promovido outros, até mesmo alguns que se opõem à concessão de mais direitos para as mulheres e alguns com opiniões bem radicais. Esse tipo de malabarismo desencadeou um debate sobre se Salman estaria mais interessado em um Estado mais tolerante ou em consolidar seu poder, neutralizando possíveis rivais.
Para seus partidários, ele já provou seu compromisso com uma ideologia saudita mais moderada, reduzindo a influência da polícia religiosa que estabeleceu códigos morais. Ele também reformou a Liga Mundial Muçulmana, que abrange entidades beneficentes sauditas, fundado na década de 60 e usado pelos sauditas para propagar sua ideologia para o mundo.
“Desta vez não é possível voltar ao passado”, afirmou Saud al-Sarhan, secretário-geral do Centro de Pesquisa e Estudos Islâmicos Rei Faisal. No entanto, os críticos do príncipe também afirmam que ele está se compondo com os radicais e destacam as recentes prisões e a humilhação pública a que foram submetidos alguns dos mais importantes defensores dos direitos das mulheres no país. “Eles têm os muçulmanos moderados como alvo e mantêm os extremistas por perto”, disse Abdullah Alaoudh, cujo pai, Salman al-Awda, clérigo popular e defensor das reformas políticas, está preso desde setembro.
Alaoudh, com pós-doutorado em Direito na Universidade Yale, observou que o governo saudita havia recrutado Awda após os atentados de 11 de setembro de 2001 para sua luta contra o extremismo, escolhendo um clérigo cuja reputação de ser uma figura independente conferia mais legitimidade à batalha.
Sob o comando de Salman, as autoridades sauditas estão “tentando chegar a um equilíbrio entre liberais e conservadores, como sempre foi feito”, disse Stephane Lacroix, professor de ciências políticas do Instituto de Estudos Políticos de Paris. Mas, agora, os métodos são muito mais brutais do que sob governos anteriores. “É o que chamo de equilíbrio do medo.”
Diversos salafistas achavam que as prisões tinham por finalidade enviar uma mensagem de que as reformas não estavam abertas a negociação. Às vezes, o governo pareceu cauteloso em não confrontar os conservadores. A prisão de 17 ativistas – incluindo de defensores dos direitos femininos – pode ser uma concessão aos conservadores. “Ao mesmo tempo, Salman acredita que os ultraconservadores teriam cada vez menos influência sobre a juventude, que é 60% da população”, disse Lacroix.
O príncipe culpa forças externas pelos conceitos extremistas. Embora seu discurso seja “historicamente equivocado”, ele tem permitido ao príncipe recrutar clérigos para um projeto de criar um establishment muçulmano sunita liderado pelo Estado. Esse esforço tem sido combinado com outras tentativas de aproximação com judeus, cristãos e muçulmanos xiitas marginalizados no país, considerados hereges pelos sunitas radicais.