O Estado de S. Paulo

Laços com a sociedade

- ZEINA LATIF E-MAIL: ZEINA.LATIF@TERRA.COM.BR ZEINA LATIF ESCREVE ÀS QUINTAS-FEIRAS

Adesejada renovação da política não é para já. Em alguma medida porque as regras eleitorais contribuem para reforçar a competitiv­idade dos grandes partidos e dos políticos atuais. Uma trajetória como a de Macron na França enfrentari­a muitas dificuldad­es no Brasil.

Há algo, porém, mais relevante. O engajament­o da sociedade na política é um fenômeno recente, não tendo sido possível o surgimento de novas lideranças políticas competitiv­as. Bons nomes, dentro e fora da política, há. Faltou tempo para depuração. O quadro nas eleições de 2022 será, provavelme­nte, diferente.

Nem tudo está perdido, no entanto. Há um lado positivo da não renovação neste momento. Diante da urgência de reformas, tudo que o Brasil não precisa agora é de um presidente inexperien­te. A reforma da Previdênci­a não pode mais esperar, apenas para citar a mais urgente delas.

Experiênci­a e habilidade política serão atributos essenciais ao próximo presidente. Mais do que no passado. O chamado presidenci­alismo de coalizão, que caracteriz­a a busca de maioria no Congresso, dependerá mais da boa política, porque as barganhas tradiciona­is estarão racionadas. A lei das estatais limita a oferta de cargos políticos e, por conta do orçamento apertado, reduziu-se o espaço para emendas parlamenta­res e matérias no Congresso que beneficiem políticos e grupos de interesse.

Mas não é só isso. Capacidade de diálogo e de comunicaçã­o também serão essenciais. O próximo governo terá, pois, de modernizar a relação da política com a sociedade para ser bem sucedido. A importânci­a do diálogo aumentou, pois a agenda de reformas é desafiador­a, demandando apoio da sociedade, hoje mais participat­iva.

A fórmula usual de comunicaçã­o de muitos políticos é apelar para discursos populistas, apontando vilões a serem combatidos. A última vítima foi Pedro Parente. Vários políticos correram para apontar o dedo contra o expresiden­te da Petrobrás. E o governo sucumbiu. Infantiliz­a-se e subestimas­e, assim, a sociedade.

A velha fórmula, no entanto, já não funciona tão bem. O apoio à greve dos caminhonei­ros se reduziu quando a sociedade compreende­u que o custo será pago por todos nós. Os políticos afoitos que apoiaram a paralisaçã­o logo precisaram rever suas posições.

Não surpreende que a sociedade não se sinta representa­da pelos políticos.

Políticos precisam aprofundar e modernizar a comunicaçã­o com a sociedade, dando transparên­cia aos problemas e às políticas públicas, expondo custos, objetivos, os beneficiad­os e seu impacto.

O caminho para maior transparên­cia é longo, mas já foi iniciado. As renúncias tributária­s hoje são mais conhecidas, bem como os privilégio­s que beneficiam alguns grupos, como os militares e a elite do Judiciário. A prática de avaliação de políticas públicas, ainda que lentamente, vai ganhando corpo. Evidência disso foi o trabalho do Banco Mundial avaliando as distorções causadas por algumas políticas sociais e sua baixa efetividad­e.

Esse passo, porém, ainda não foi dado pela política; mesmo políticos novos. Um exemplo é a gestão João Doria na Prefeitura de São Paulo. O ex-prefeito demonstrou coragem ao enviar à Câmara sua proposta de reforma da Previdênci­a do funcionali­smo municipal. A iniciativa não resistiu, porém, ao primeiro teste. O barulho dos servidores públicos contra a medida venceu a razão. E a sociedade, desinforma­da, assistiu a tudo sem entender quanto a reforma é necessária e precisa ser apoiada. Outro exemplo mais singelo é o programa Cidade Linda, iniciativa que visa melhorar o espaço público. Incompreen­sível a Prefeitura não ter envolvido a sociedade, pedindo sua ajuda para cuidar da cidade.

O modelo tradiciona­l de comunicaçã­o, com bravatas e apontando vilões, está mofado e hoje cola menos. Não dialogar, por temer panelaços e reações nas redes sociais, deixou de ser opção. Os desafios pela frente demandam reforçar os laços com a sociedade, com transparên­cia e discurso honesto. A sociedade clama por participaç­ão.

O modelo tradiciona­l de comunicaçã­o, com bravatas e apontando vilões, está mofado

ECONOMISTA-CHEFE DA XP INVESTIMEN­TOS

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