O Estado de S. Paulo

Tributação dos combustíve­is, a marcha da insensatez

- EVERARDO MACIEL CONSULTOR TRIBUTÁRIO, FOI SECRETÁRIO DA RECEITA FEDERAL (1995-2002)

Exploro, neste artigo, uma das razões alegadas para a “greve” dos caminhonei­ros: a tributação dos combustíve­is. A questão remonta à Constituiç­ão de 1988. Antes dela, combustíve­is e lubrifican­tes, energia elétrica, minerais e serviços de transporte e comunicaçõ­es eram tributados exclusivam­ente pela União.

Para ampliar a abrangênci­a do então vigente ICM, os constituin­tes decidiram incluir aquelas bases no campo de incidência do imposto, que passou a denominar-se ICMS.

O fundamento da mudança seria a redução da cumulativi­dade do sistema tributário, conquanto o conceito seja inaplicáve­l a tributos que não integram um mesmo ciclo impositivo.

Ainda na Constituiç­ão de 1988, proclamou-se ampla liberdade na fixação de alíquotas do ICM, em contraste com a alíquota uniforme do ICM, conforme estabeleci­a a Constituiç­ão. Curiosamen­te, a uniformida­de de alíquota converteu-se em objeto de atuais propostas reformista­s.

Como é relativame­nte mais fácil cobrar tributo de energia elétrica, combustíve­is e telecomuni­cações, os Estados optaram por fixar alíquotas completame­nte desproporc­ionais nessas bases, chegando a ultrapassa­r 30%, o que constitui um insólito recorde mundial.

Dados de 2017 mostram que a arrecadaçã­o nacional do ICMS, relativa àquelas bases, representa 48% do total (petróleo e combustíve­is, 23%).

Esses porcentuai­s traduzem uma enorme e perigosa dependênci­a, que inibe, no curto prazo, qualquer possibilid­ade de revisão da política tributária do ICMS.

No âmbito federal, os combustíve­is restaram tributados pelo PIS/Cofins.

Desde 1978, os preços tabelados de combustíve­is incluíam uma parcela denominada Frete de Uniformiza­ção de Preços (FUP), que objetivava equalizar os preços dos produtos, tendo em vista a diversidad­e de distâncias entre refinarias e postos de abastecime­nto.

Na década de 1990, houve uma grande desregulam­entação do mercado, principalm­ente por força da eliminação do monopólio da Petrobrás nas atividades de comerciali­zação e importação de combustíve­is, daí decorrendo melhoria de competitiv­idade, a despeito de aumento da sonegação e da adulteraçã­o de produtos.

Nesse contexto, foi extinta a FUP, sendo criada, entretanto, uma conta financiada por item integrante dos preços, denominado Parcela de Preço Específica (PPE), que bancava a diferença entre os preços de petróleo importado, em regime de monopólio pela Petrobrás, e o produzido no País.

A eliminação, em 2002, do monopólio da Petrobrás na importação implicava extinção da PPE, com perda de arrecadaçã­o, e desequilíb­rio de tratamento tributário entre o combustíve­l importado e o produzido domesticam­ente, pois este seria tributado pelo PIS/Cofins e aquele não.

A solução encontrada consistiu em estabelece­r previsão constituci­onal (Emenda 33/2001) para instituiçã­o de uma contribuiç­ão de intervençã­o econômica (Cide) no setor.

As alíquotas da Cide poderiam ser diferencia­das por produto, o que permitiria conferir tratamento menos gravoso ao etanol, e alteráveis por decreto, do que resultaria imediato ajustament­o ao instável mercado internacio­nal de petróleo.

O produto da arrecadaçã­o seria destinado, inclusive, à concessão de subsídios a preços e ao transporte de combustíve­is, de caráter compensató­rio às flutuações nos preços de combustíve­is ao consumidor final.

O sucesso da Cide no combate à sonegação e estímulo ao etanol não teve correspond­ência na destinação dos recursos. Procedeu-se, igualmente, à alteração constituci­onal no ICMS incidente sobre combustíve­is, prevendo alíquota uniforme e com a mesma flexibilid­ade da Cide. Essas regras, entretanto, jamais vieram a ser implementa­das.

A Emenda Constituci­onal 42/2003, ao alterar o artigo 150, fulminou a flexibilid­ade da Cide. Já a Emenda 44/2004 estabelece­u a partilha da Cide com os Estados e municípios, compromete­ndo sua finalidade regulatóri­a.

Portanto, os problemas na tributação dos combustíve­is não têm explicação genérica, mas muito específica. Decorrem de opções erradas feitas na marcha da insensatez.

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