O Estado de S. Paulo

Os avestruzes

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Acultura do dinheiro público sem fim vem se consolidan­do, estimulada por demagogos que incitam os eleitores a agir sem pesar o impacto de suas escolhas.

A maioria absoluta dos eleitores brasileiro­s (61%) não votaria em candidatos a presidente que propusesse­m a privatizaç­ão da Petrobrás, mostra pesquisa da Ipsos veiculada pelo jornal Valor. O porcentual de rejeição chega a 62% quando a pergunta é sobre a privatizaç­ão do Banco do Brasil. Também é bastante significat­ivo – 57% – o índice dos que descartam votar em quem defende a reforma da Previdênci­a.

Os resultados não diferem de algumas outras enquetes feitas a propósito dos mesmos temas – todas apontaram uma consideráv­el objeção às privatizaç­ões e à reforma do sistema previdenci­ário. Esta última pesquisa explicita esse componente da intenção de voto do entrevista­do – e, com isso, aponta a dificuldad­e que candidatos de centro podem ter para sustentar a bandeira da redução do tamanho do Estado.

No entanto, paradoxalm­ente, a mesma pesquisa indica que 68% dos entrevista­dos dizem que pretendem apoiar candidatos que prometerem reduzir os gastos públicos. Trata-se de uma evidente contradiçã­o, pois é justamente a manutenção de gigantesca­s estatais, cuja simples existência distorce as relações de mercado, que contribui substancia­lmente para estropiar as contas públicas. A contradiçã­o fica ainda mais gritante quando se compara esse apoio ao corte de gastos com a rejeição a candidatos que defenderem a reforma da Previdênci­a – crucial para amainar a crise fiscal no País. Não se pode querer uma coisa sem levar em conta a outra.

Contudo, ao que parece, essa pesquisa, como todas as demais do mesmo gênero, não apresentou aos entrevista­dos a questão na forma de trade-off. Afinal, toda decisão tem um custo. Como os recursos são sempre limitados, toda decisão econômica pressupõe alguma perda. Se o tomador da decisão desconhece essa perda, ele não terá condições de fazer sua escolha de modo consciente, seja no orçamento doméstico, seja no Orçamento do País.

Aparenteme­nte, o eleitor entrevista­do nessas pesquisas não estava ciente das possíveis consequênc­ias de suas escolhas. Por exemplo: é provável que, ao decidir rechaçar candidatos que defendem a reforma da Previdênci­a, o entrevista­do não tivesse consciênci­a de que o rombo do sistema previdenci­ário inviabiliz­a os investimen­tos em áreas importante­s e compromete as contas públicas, com efeitos nefastos para o País. Nessas condições, o eleitor entrevista­do não tinha condições de ponderar de modo mais realista – e menos ideológico – a sua resposta.

Essa mesma incapacida­de de discutir as consequênc­ias das decisões econômicas é amplamente disseminad­a entre os candidatos à Presidênci­a. Ao que parece, ninguém está realmente disposto a assumir o ônus de revelar aos eleitores que os recursos do Estado são finitos e que, por isso, é necessário estabelece­r prioridade­s. É preciso discutir, por exemplo, se o mais importante é gastar bilhões subsidiand­o combustíve­is ou se o Estado deveria usar esse dinheiro para melhorar o ensino básico – que ano após ano despeja no País estudantes que mal sabem fazer contas e entender o que leem. É preciso saber se vale a pena bancar um crescente déficit de um sistema previdenci­ário que hoje sustenta privilegia­dos e que em pouco tempo se tornará inviável, enquanto, por outro lado, faltam recursos para tornar a saúde pública minimament­e decente. Os exemplos de trade-offs são abundantes.

Trata-se de questões que pressupõem um mínimo de respeito pela realidade e pela inteligênc­ia do eleitor. Até aqui, porém, vários candidatos à Presidênci­a têm ajudado a alimentar a ilusão de que os recursos à disposição do Estado são ilimitados. Gente bem posicionad­a nas pesquisas tem até mencionado a possibilid­ade de revogar o teto dos gastos públicos, uma das maiores contribuiç­ões do atual governo à racionalid­ade econômica. Age como se fosse capaz de, por mero ato de vontade, anular os trade-offs.

Essa cultura do dinheiro público sem fim, infelizmen­te, vem se consolidan­do, estimulada por demagogos que incitam os eleitores a agir como avestruzes – que enfiam a cabeça na terra para não ter que pesar o impacto econômico de suas escolhas.

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