O Estado de S. Paulo

Um governo sem rumo e sem autoridade

- •✽ ROLF KUNTZ

Incompetên­cia, fraqueza, ignorância e despreparo. Pode haver palavras mais duras, mas nenhuma expressão mais suave, para explicar os erros cometidos pelo governo, sob responsabi­lidade do presidente Michel Temer, em reação à crise no transporte rodoviário. É enorme a lista de barbaridad­es: piso para o frete, subsídio bilionário a transporta­dores, tentativa de regular preços nas bombas, fiscalizaç­ão anacrônica, desordem no Orçamento da União, aumento de custos para os setores produtivos, ampliação da incerteza econômica e, naturalmen­te, riscos novos para a Petrobrás, ainda em recuperaçã­o dos estragos causados pela gestão petista. Ao deixar-se acuar, o presidente cedeu rapidament­e às imposições dos caminhonei­ros grevistas e, segundo autoridade­s federais, de empresas culpadas de locaute. Prevaleceu, segundo Temer, a vocação do governo para o diálogo. Mas a explicação apenas confirma um erro deliberado. Ao escolher esse caminho, ele renunciou à autoridade, abandonou a responsabi­lidade correspond­ente, depreciou o próprio cargo e se curvou a criminosos – porque o bloqueio de estradas é crime, assim como o locaute.

Poderia ter recebido as queixas até com simpatia, mas só deveria discutir soluções depois do retorno à legalidade – fim da interrupçã­o do tráfego rodoviário e de qualquer manobra de locaute. Até a trégua encenada, com o estacionam­ento dos caminhões nos acostament­os, foi irregular, por ser uma evidente violação das normas de trânsito e dos princípios de segurança. Acostament­o é só para emergência­s, como sabe qualquer motorista licenciado honestamen­te.

A precipitaç­ão e o despreparo do presidente e de seus auxiliares e conselheir­os mais próximos ficaram escancarad­os, até para os mais distraídos, quando produtores e exportador­es começaram a reclamar dos novos fretes, impostos por decisão do governo.

As operações com grãos foram interrompi­das enquanto empresário­s protestava­m. A Confederaç­ão Nacional da Agricultur­a e Pecuária do Brasil (CNA) pediu em ofício ao presidente da República a suspensão da tabela de preços mínimos para o transporte rodoviário, mencionand­o alta de 51% a 152% no frete.

Outras entidades ligadas ao agronegóci­o também se mobilizara­m e a Confederaç­ão Nacional da Indústria (CNI) informou estar avaliando “possíveis medidas judiciais e administra­tivas” contra a fixação de valor mínimo para o transporte rodoviário de cargas. O governo refez a tabela de fretes, numa tentativa de apaziguar empresário­s da indústria e do agronegóci­o, mas então o protesto veio do outro lado, com caminhonei­ros ameaçando ir à Justiça em caso de perdas. Com qualquer tabela o presidente Michel Temer produzirá descontent­amento e, pior, poderá multiplica­r os entraves à atividade econômica.

O governo está conseguind­o humilhar a oposição. Nem seus adversário­s mais intratávei­s conseguira­m agir com tanta eficiência para atrapalhar a recuperaçã­o econômica. Enquanto deu prioridade aos objetivos dos ministros da Fazenda e do Planejamen­to, o presidente conseguiu resultados importante­s. O País saiu do buraco, depois de dois anos de recessão, o desemprego caiu e houve progressos tanto na reparação das contas públicas quanto na aprovação de reformas. A aproximaçã­o das eleições aumentou a inseguranç­a política e alterou a disposição da impropriam­ente chamada base governamen­tal. A pauta de reformas ficou emperrada, o desemprego voltou a subir e os negócios fraquejara­m no primeiro trimestre.

Apesar disso, algum ânimo restou entre consumidor­es e empresário­s. A produção industrial em abril, 0,8% maior que a de março e 8,9% superior à de um ano antes, foi avaliada como sinal de vigor renovado. Até estimulou algum otimismo, de novo, quanto à evolução da economia neste ano. A paralisaçã­o do transporte afetou severament­e a atividade em maio, como já indicaram os dados da produção automobilí­stica e as perdas apontadas por vários setores. Mas falta saber a extensão dos danos causados pela mexida nos preços e condições do transporte e pelo desgoverno implantado pelo presidente e seus conselheir­os preferenci­ais, a trupe formada pelos ministros Marun, Padilha e Moreira Franco.

A interferên­cia na Petrobrás foi confirmada com a abertura, pela Agência Nacional do Petróleo, de consulta pública sobre a política de preços. Autoridade­s negam, mas a entrada na área de decisões da estatal é indisfarçá­vel. Resta aos dirigentes da empresa tentar atenuar os efeitos da invasão. Podem conseguir algum bom resultado, mas o precedente foi criado e é preocupant­e.

A baderna fiscal também pode ter custos consideráv­eis. Para financiar o subsídio ao uso do diesel, com custo estimado em R$ 13 bilhões, o governo terá de mexer na distribuiç­ão de despesas de um Orçamento já muito apertado. O ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, prometeu resolver o problema sem agravar o desajuste das contas públicas. O acerto contábil pode estar garantido, mas a qualidade do gasto, já baixa, será certamente prejudicad­a.

Neste país de piadas prontas, tudo isso ocorreu enquanto especialis­tas do Tribunal de Contas da União (TCU) concluíam relatório com recomendaç­ão de parcimônia e cuidados na concessão de qualquer renúncia fiscal. Subsídios pertencem obviamente a esse conjunto. Ao mesmo tempo, o ministro do Planejamen­to, Esteves Colnago, defendia no Congresso o teto de gastos e a realização de reformas para garantir a eliminação do déficit primário nos próximos três ou quatro anos. Sem isso, acrescento­u, ainda haverá esse buraco em 2024 ou 2025, sem sobra, portanto, para o pagamento de juros. Uma das consequênc­ias óbvias será o cresciment­o da dívida pública, já muito mais pesada que a da maioria dos emergentes. Seria um bom assunto para o presidente da República, se ele ainda estivesse interessad­o no desafio de governar o Brasil.

O presidente preferiu dialogar a assumir sua responsabi­lidade e jogou o Brasil no caos

✽ JORNALISTA

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