O Estado de S. Paulo

Após atos de 2013, desgaste da política se acentua.

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- / FABIO LEITE, LUIZ RAATZ e ALEX TAJRA, ESPECIAL PARA O ESTADO

Mais de um milhão de pessoas tomaram as ruas de 75 cidades do País em 20 de junho de 2013, no ápice de uma crise que começou com uma série de protestos contra o aumento da tarifa de ônibus em São Paulo. Com o reajuste revogado na véspera, aquela noite viu os gritos “Sem partido!” tornarem-se a marca do movimento difuso, numa inédita rejeição à política tradiciona­l que rende consequênc­ias cinco anos depois, às vésperas de uma eleição presidenci­al.

Analistas ouvidos pelo Estado avaliam que a ruptura entre a sociedade e os políticos que explodiu em 2013 criou um descrédito generaliza­do com a política, que, em outubro, pode beneficiar candidatos com personalid­ade forte, com a imagem ligada à autoridade e à ordem, como Jair Bolsonaro (PSL) e, em menor medida, Ciro Gomes (PDT).

Para o cientista político Marco Aurélio Nogueira, partidos e governos, à direita e à esquerda, perderam com as jornadas de junho. Eventos subsequent­es, como a Lava Jato, as promessas do segundo governo Dilma e seu impeachmen­t ampliaram esse processo de descrença. A popularida­de do discurso anticorrup­ção, por sua vez, aprofundou a rejeição à política tradiciona­l.

“O Bolsonaro é quem tira mais vantagem dessa situação. Ele se apresenta acima dos partidos e suas soluções para os problemas do País passam pela força e pela autoridade para garantir a ordem”, diz Nogueira. “No caso do Ciro, há elementos parecidos. Eles representa­m um centralism­o, a figura do presidente forte.”

Esse cenário para 2018 começou a se desenhar quando manifestan­tes de uma sigla pouco conhecida – Movimento Passe Livre (MPL) – decidiram ir às ruas contra o aumento de R$ 0,20 nas tarifas de ônibus e metrô de São Paulo, em junho de 2013. O professor Diego Soares, de 29 anos, era um deles e lembra que o grupo jamais imaginou que seus atos pudessem ganhar tamanha dimensão. “As manifestaç­ões só tomaram aquela proporção depois que houve o ataque da polícia.”

Soares se refere à noite de 13 de junho, quando a Tropa de Choque feriu manifestan­tes e jornalista­s com balas de borracha. “Não posso negar que pode ter havido casos pontuais de excesso dos policiais, como teve muito excesso por parte dos manifestan­tes”, justifica o coronel Benedito Roberto Meira, comandante da PM de São Paulo à época.

A repressão policial potenciali­zou o movimento e ajudou a espalhar os protestos pelo País. Acuados, o ex-prefeito Fernando Haddad (PT) e o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB) revogaram o reajuste do transporte. Em Brasília, a então presidente Dilma Rousseff e o Congresso anunciaram um pacote de medidas, como tornar a corrupção crime hediondo. Em agosto, o Congresso aprovaria a Lei da Delação Premiada, que abriu caminho para a Operação Lava Jato, que mudaria o quadro político do País.

A vitória na tarifa e a profusão de demandas entre os manifestan­tes, inclusive com cartazes pedindo intervençã­o militar, afastaram o MPL das ruas. “A direita tentou sequestrar as pautas e muita gente que começou a se politizar naquele momento pode ter sido influencia­da por essas pautas”, diz a estudante Anna Silva, de 20 anos, do MPL.

Lava Jato. Para Lara Mesquita, cientista política da FGV, o cresciment­o da popularida­de de Bolsonaro tem apoio em movimentos que ganharam força em 2013. “A direita eleitoral ficou mais organizada e ganhou visibilida­de a partir das jornadas de junho.”

O vácuo deixado pelo MPL, aliado ao avanço das investigaç­ões da Lava Jato fizeram com que outros grupos surgissem em 2014 sob a bandeira de combate à corrupção e contra o governo do PT, como o Movimento Brasil Livre (MBL) e o Vem Pra Rua.

“A Lava Jato ajudou a sociedade a desconfiar dos políticos, apesar de não haver relação direta com 2013”, ressalta Nogueira. “E a operação tem uma importânci­a na reação cívica à política. Ela não separou os bons políticos dos maus políticos e tratou todos como suspeitos.”

O desgaste da política tradiciona­l não terminou com o impeachmen­t. Após assumir a Presidênci­a, Michel Temer foi denunciado duas vezes por corrupção e salvou-se no Congresso. Derrotado em 2014, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) tornou-se réu na Lava Jato e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi preso.

Em resposta, partidos mudaram de nome – o PMDB virou MDB – e surgiram siglas como Podemos e Avante. “Essa tentativa dos partidos de maquiar os nomes é também uma consequênc­ia de 2013”, diz o cientista político Rubens Figueiredo. Esse quadro projeta para 2018 uma eleição com 11 pré-candidatos, em partidos enfraqueci­dos e impopulare­s.

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