O Estado de S. Paulo

O acordo de paz na Colômbia resiste?

Crítico do pacto é líder nas pesquisas para a presidênci­a, mas guerra não deve voltar

-

Opresident­e da Colômbia, Juan Manuel dos Santos, recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 2016 por ter posto fim à guerra de 52 anos com a guerrilha Forças Armadas Revolucion­árias da Colômbia (Farc). Criminosos armados, porém, continuam aterroriza­ndo parte do interior do país. Isso assusta moradores das cidades, onde vive a maior parte da população. Cerca de 12 mil combatente­s das Farc depuseram as armas e se mudaram para áreas designadas, como previsto no acordo de paz.

Entretanto, o espaço que deixaram vem sendo ocupado por outras gangues, como dissidente­s das Farc, o Exército de Libertação Nacional (ELN) e o Clã do Golfo, máfia originária de organizaçõ­es paramilita­res desmobiliz­adas em 2000.

Os choques entre esses grupos, e com as forças de segurança, são em parte causados pela disputa do tráfico de cocaína, que foi uma das principais fontes de renda das Farc. Em 2016 o cultivo da coca, matéria-prima da cocaína, ocupava 146 mil hectares, três vezes a área que cobria em 2012. A maioria dos confrontos ocorre em cerca de um quarto dos municípios do país. Apenas 5% dessa área está sob controle do Estado, calcula Kyle Johnson, do centro de estudos Crisis Group.

Isso não significa que o acordo de paz seja uma fraude. A violência recuou fortemente desde o início dos anos 2000, quando o governo aumentou a ofensiva contra as Farc, e caiu ainda mais desde 2012, quando as negociaçõe­s de paz começaram em Havana. As Farc se tornaram um partido político com dez cadeiras no Congresso, garantidas pelos próximos oito anos. Mas a implementa­ção do acordo não vem agradando a ninguém. Iván Duque, favorito na atual corrida presidenci­al que será definida no próximo domingo, discorda de alguns pontos e pode causar danos ao acordo, embora provavelme­nte não consiga destruí-lo.

Apenas 70 membros desmobiliz­ados das Farc participam de projetos (bancados em sua maior parte pelo Estado) destinados a dar-lhes meios de subsistênc­ia, segundo a ONG Fundação Paz e Reconcilia­ção.

Um programa para substituir a coca por cultivos legais sofre com falta de dinheiro e excesso de burocracia. Há poucos sinais de construção de novos de sistemas de irrigação ou estradas que ajudariam agricultor­es a comerciali­zar produtos. A reforma agrária, que inclui distribuiç­ão de 3 milhões de hectares a pessoas que tiveram suas terras confiscada­s ilegalment­e, até agora foi frustrada.

Para Duque, cujo mentor político é o ex-presidente Álvaro Uribe, contrário ao pacto, o compromiss­o de paz tem falhas mais graves. Ele acha um insulto que líderes das Farc assumam vagas no Congresso sem ter confessado crimes contra a humanidade, cumprido pena ou indenizado vítimas. A maioria dos colombiano­s concorda.

Adversário­s do acordo dizem que o sistema especial de Justiça transicion­al que as Farc enfrentarã­o é muito complacent­e. Os que confessare­m estarão submetidos a “liberdade restrita” por no máximo oito anos.

Os planos do candidato favorito preocupam defensores do acordo. Obrigar os congressis­tas das Farc a cumprir pena antes de tomar posse seria um “golpe de morte”, diz Humberto de la Calle, que liderou o lado governista nas negociaçõe­s.

Não está claro qual será o estrago que Duque poderá causar. O direito das Farc de tomar posse no Congresso e o modelo de Justiça transicion­al estão assegurado­s na Constituiç­ão e o presidente não anula isso facilmente. Mas a lei regulament­ando a Justiça transicion­al exige tanto a aprovação do Tribunal Constituci­onal quanto a assinatura do presidente para entrar em vigor. Outra lei, que estabelece procedimen­tos para trabalho do Tribunal Constituci­onal, ainda está sendo debatida no Congresso e pode, portanto, ser retirada pauta.

O maior perigo talvez seja renegar o acordo de paz e, assim, acabar com qualquer chance pacto com o ELN, que está negociando com o governo. Duque afirma que estabelece­rá condições estritas para continuar as conversas, o que é sensato. Já os líderes das Farc estão velhos demais para voltar à selva. O grupo não tem, virtualmen­te, apoio do povo pelo qual dizia lutar (na eleição para o Congresso, seu partido teve menos de 1% dos votos). Mas a base do acordo de paz – participaç­ão política em troca de desarmamen­to – deve sobreviver. O acordo pode ser mais frágil que a paz em si.

Base do acordo de paz, participaç­ão política em troca de desarmamen­to deve sobreviver

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil