O Estado de S. Paulo

GUATEMALA AINDA BUSCA CORPOS QUE VULCÃO SEPULTOU

Uma semana depois da brutal erupção que matou mais de 100 pessoas, dezenas parentes de vítimas ainda esperam pela última despedida

- Samuel Orozco ESPECIAL PARA O ESTADO

Para muitos, o tormento aconteceu no começo. Para outros, o desespero, a angústia e a dor aumentam a cada dia, porque não encontrara­m seus parentes. Depois da surpreende­nte e violenta erupção do Vulcão de Fogo, na Guatemala, há uma semana, que matou 109 pessoas, as autoridade­s decidiram suspender temporaria­mente a busca e possível salvamento dos desapareci­dos.

A decisão causou dor e sofrimento aos pais, filhos, irmãos e avós que desejam dar um enterro digno para aqueles que estão sob as cinzas do vulcão. Na terça-feira, as equipes de busca encontrara­m uma menina de apenas 6 meses. Um milagre, disseram, porque ela foi localizada 40 horas depois da erupção, em uma casa onde havia inúmeras fatalidade­s. Ela não tinha ferimentos. O resgate despertou a esperança de centenas de pessoas cujas famílias desaparece­ram.

Mas, à medida que as horas passavam, essa esperança se perdia. O número de mortes continua a aumentar, assim como as más notícias. As equipes de resgate fizeram uma busca aérea e descobrira­m que havia mais casas soterradas – uma evidência de mais mortos. Além dos 109 corpos, as equipes resgataram 40 feridos. Há 3.500 desabrigad­os e 12.200 pessoas foram retiradas de seus lares.

No rastro de tragédia deixado pela erupção do Vulcão de Fogo, havia pessoas que perderam

dezenas de parentes. Muitos nem sequer encontrara­m os corpos deles.

Na manhã de segunda-feira, enquanto as equipes de resgate chegavam com os corpos, dezenas de famílias estavam prontas para reconhecer os corpos. Os casos trágicos se acumulavam. Lilian Hernandez perdeu 36 membros da família. Maria Josefa Morales estava aos prantos no velório das duas filhas, Mildred Josefa Morales, de 6 anos, e Jennifer Andrea Morales, de 3 anos. Aflita, chorava e gritava que não tinha dinheiro para enterrar seus “anjinhos”. Mãe solteira, deixou as filhas em casa e foi trabalhar porque o pai delas estava sempre ausente. Sua tragédia continuou. Dias depois, teve de reconhecer os corpos de seus pais, sua irmã e seus dois primos. Perdeu tudo: a família e o lugar onde morava.

Em um abrigo, Julia Gonzales, de 62 anos, contou seu drama. Ela e a família moravam na comunidade ‘La Reina’, em El Rodeo, uma das mais atingidas pela erupção. Ela criava três netos. Agora terá de criar mais três netas, que ficaram órfãs. Antes de o vulcão entrar em erupção, sua filha, María Cristina e seu genro deixaram a casa com a filha

Pesadelo “Minha filha, meu genro e minha netinha morreram naquele rio de lava. Todos os meus netos perderam os pais para este vulcão” Julia Gonzales, 62 anos ELA MORAVA COM A FAMÍLIA NA COMUNIDADE ‘LA REINA’, EM EL RODEO, NO PÉ DO VULCÃO DE FOGO, UM DOS PONTOS MAIS ATINGIDOS. TERÁ DE CRIAR TRÊS NETOS E TRÊS NETAS

de 10 meses para vender abacaxis. “Minha filha, meu genro e minha netinha morreram naquele rio de lava”, disse, entre soluços.

Desde o início da crise, milhares de guatemalte­cos começaram a ajudar, com comida, roupas, água, serviço humanitári­o e até deixando seus empregos por um tempo para apoiar os vizinhos. Durante a semana passada, o vulcão entrou em erupção novamente, mas sem a mesma força. Pelo menos três vezes toda a população teve de correr para evitar ser atingida.

A emergência não acabou. Todos os dias o colosso ameaça explodir novamente. Em duas ocasiões, as autoridade­s tiveram de fechar a rodovia principal do país, que conecta a região central ao sul, por causa das previsões de um novo rio de lava que poderia cruzar a estrada a qualquer momento. Para as equipes de resgate o trabalho se torna mais difícil cada vez que ouvem os rugidos do Vulcão de Fogo. Eles temem uma nova tragédia.

Bens materiais foram esquecidos. Casas, carros, motos, caminhões, animais, documentos pessoais e lembranças de vida foram abandonado­s em todas as casas por causa do temor de novas erupções. Agora, a dúvida que ronda as vítimas é: o que acontecerá? Qual será o futuro destas pessoas? O presidente Jimmy Morales vai encontrar uma solução? Dar terra para os desabrigad­os? Muitos nunca poderão voltar para casa. Aqueles que perderam seus parentes nunca mais vão querer ver o vulcão que soterrou suas vidas.

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SAMUEL OROZCO/ESTADÃO Sem fim. Equipes de resgate buscam vítimas e sobreviven­tes na cidade de El Rodeo

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