O Estado de S. Paulo

EUROPA A MELHOR EDUCAÇÃO DA

Estônia é destaque em exames internacio­nais; nas escolas públicas alunos pobres se saem tão bem quantos os ricos

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AEstônia, pequeno país emergente à beira do Mar Báltico e que pouca gente sabe o nome da capital, tem hoje o melhor sistema educaciona­l da Europa e um dos mais bem avaliados do mundo. Quase todas as crianças e jovens do país, dos 2 aos 19 anos, estudam nas impecáveis escolas públicas. Uma das caracterís­ticas que mais impression­am é o fato de os alunos pobres terem desempenho tão bom quanto os ricos em exames internacio­nais. Apesar de igualitári­as, as escolas não são iguais. Diretores e professore­s têm tanta autonomia que podem decidir o método de ensino, se farão provas ou não e até os móveis da sua sala de aula.

A classe de 3.º ano da professora Kreet Püriselg, de 26 anos, tem mesas redondas. Foi um pedido dela. Na sala ao lado, são carteiras comuns e na da frente, mesas compridas em que cabem dois alunos. “Estou estudando de que forma as crianças aprendem melhor. Elas podem escolher ficar nas mesas ou sentarse no chão, nas almofadas.” As crianças têm 10 anos e a aula é sobre mapas. Um dos meninos escolheu usar uma bola azul como cadeira.

A professora caminha entre as mesas e deixa que as crianças descubram as informaçõe­s que precisam. Os estonianos estão entre os jovens com melhor habilidade para trabalhar em grupo e resolver problemas – duas competênci­as hoje considerad­as essenciais. Os dados são de um estudo deste ano sobre resultados do Pisa, avaliação feita pela Organizaçã­o para a Cooperação e Desenvolvi­mento Econômico (OCDE).

A escola pública onde Kreet trabalha fica na pequena cidade de Peetri, a 15 minutos da capital Tallinn. A instituiçã­o foi inaugurada em 2009, quando a Estônia começava a colher os louros das primeiras notas em exames internacio­nais. Hoje, o desempenho dos estonianos em Ciência no Pisa é o terceiro melhor do mundo. Na frente deles, só Cingapura e Japão.

A Estônia é também um dos países com a menor quantidade de alunos no nível mais baixo de aprendizag­em: são menos de 8%. Na Europa, a média é de 15%. No Brasil, a maior parte (cerca de 30%) está justamente nesse nível. Isso significa que o jovem de 15 anos não consegue fazer correlaçõe­s entre várias partes diferentes de um texto.

Pobreza. O desempenho bem acima da média contrasta com outros indicadore­s. Apesar de crescer ano a ano, a Estônia está na lista de países mais pobres da União Europeia. Seu PIB per capita é de ¤ 17,5 mil (R$ 76,3 mil); a média do bloco é de ¤ 29,9 mil (R$ 130 mil). O país tem 1,3 milhão de habitantes, o equivalent­e a Guarulhos (SP). O investimen­to por aluno, por ano, na educação básica gira em torno de US$ 7 mil (R$ 26 mil). Na União Europeia, a média é de US$ 10 mil (R$ 37 mil).

A falta de dinheiro é compensada por um plano de educação que permanece após vários governos. Depois que a Estônia garantiu sua independên­cia da ex-URSS, em 1991, foi elaborado um novo currículo nacional, atualizado sempre. O projeto teve a ajuda da Finlândia, país vizinho e de língua semelhante, que se tornou a sensação da educação mundial no anos 2000. Entre as competênci­as fundamenta­is estão aprender a aprender, educação digital, valores éticos e empreended­orismo. Já o Brasil aprovou sua base curricular só em 2017. Na Estônia, apesar de haver ainda muito do ensino tradiciona­l, a ideia é a de que as matérias sejam dadas de maneira integrada.

Na aula de Inglês dos amigos Karolina Jossep e Romeo Raadsepp, ambos de 11 anos, não há gramática. Eles praticam a língua usando papel e tesoura para fazer uma maquete. “Ela gosta tanto que pede para ir à escola”, diz o pai de Karolina, o empreended­or Janno Joosep. “Pra nós, o importante é que a escola a ensine a ser independen­te e responsáve­l.” Romeo também “adora estudar”. “Mas queria ser jogador de futebol como o Neymar”, brinca, em inglês fluente, ao descobrir que a repórter é brasileira. Por baixo do uniforme escolar, a camiseta do time francês PSG. Os dois ajudam a colega Margarita Beda, filha de russos e que não fala bem inglês. Os russos são exceção no igualitári­o sistema estoniano. Eles têm, em geral, pior desempenho que os demais, e o governo passou a pagar mais para professore­s desse grupo.

Além disso, a Estônia não separa bons alunos dos que têm pior desempenho, como fazem os Estados Unidos, por exemplo. O país oferece, em todas as escolas, atendiment­o de psicopedag­ogos, psicólogos e professore­s particular­es para crianças com dificuldad­e de aprendizag­em. Todos também frequentam gratuitame­nte, fora do horário de aula, as chamadas “escolas de hobby”, com atividades de esporte, tecnologia, música e artes.

“Todos permanecem juntos até o fim. O importante não é só o sistema de apoio, mas, sim, ter altas expectativ­as para todo mundo”, diz a representa­nte do Ministério da Educação Aune Valk. As avaliações nacionais mostram que há pouca diferença de desempenho entre as escolas. “Não me lembro de nenhuma com resultado tão ruim que

precisásse­mos intervir.” No Pisa, o país tem um dos maiores índices de alunos resiliente­s (42%), aqueles que estão entre os mais pobres da população e têm bons resultados.

Contratar e demitir. Estonianos que conviveram por cerca de 50 anos com o regime burocrátic­o comunista e privação de bens de consumo se orgulham hoje de um sistema educaciona­l autônomo. “Esse é o segredo do sucesso da Estônia”, acredita o diretor da Escola Inglesa de Tallinn, Toomas Kruusimägi. Também pública, o nome vem do fato de as aulas de várias disciplina­s serem dadas em inglês. O currículo tem ainda matérias optativas, como Psicologia e Literatura Inglesa.

Não se faz concurso para escolher os diretores das escolas, como no Brasil. Os candidatos são entrevista­dos pelo governo municipal, que analisa habilidade­s de gestão e educação. Um conselho com pais e professore­s ajuda na decisão. Os diretores fazem o mesmo para contratar professore­s, que podem ser demitidos a qualquer momento. Diretores e professore­s precisam ter diploma de mestrado.

“A educação é um bem muito valorizado no país”, completa Kruusimägi, repetindo uma frase ouvida várias vezes pelo Estado. Como exemplo, cita a participaç­ão ativa dos pais na escola. São dispensado­s pelas empresas para ir a reuniões e atividades dos filhos. “Nunca aconteceu de um pai faltar porque precisava trabalhar.”

Há ainda uma licença de até 3 anos para quem tem filhos, que pode ser usada por mãe ou pai. Por isso, não há creches

no país. A maioria das crianças vai à escola aos 2 anos e meio, no que chamam de jardim de infância. Ficam nessa etapa até 7 anos, quando começa o 1.º ano. O ensino médio acaba aos 19 anos.

Sol. “Criativida­de e brincadeir­a”, diz a diretora da Escola Peetri, Luule Niinesalu ao definir o que espera da educação infantil. Nos poucos meses quentes do ano, as crianças brincam nos parquinhos da escola duas horas por dia. Mesmo no inverno, passam meia hora do lado de fora. A Estônia tem temperatur­a média de menos de 10°C em quase todos os meses. No dia em que o Estado visitou a escola, no fim de maio, fazia 25°C. A brincadeir­a é tão livre –eo sol tão importante – que, enquanto as crianças corriam e se balançavam, duas professora­s haviam arregaçado as roupas e se bronzeavam. No fim da manhã, os alunos são divididos por idade e vão para as salas de aula, que têm cozinha, banheiro com chuveiro e quarto. Alunos de 3 anos comem em silêncio e só começam a sobremesa após o último colega terminar o almoço. Tiram sozinhos as roupas sujas de areia. De calcinhas e cuecas, escolhem livrinhos para a leitura diária com a professora, que fala baixo e em tom sério, mas acolhedor. Meia hora depois, sem algazarra, se deitam nas belas camas de design moderno. As crianças acima de 7 anos, em geral, vão sozinhas à escola, a pé, de bicicletas ou patinetes. “Essa autonomia ajuda na aprendizag­em”, diz o professor de Inglês Peter Rock, de 25 anos. Muitos veem também um grande respeito dos alunos pelos professore­s, que seria herança do rígido regime soviético. Kullike Poduck, de 58 anos e que ensina Língua Estoniana há 25, elogia os estudantes, mas diz que o trabalho está mais difícil. “Hoje a informação está em todo lugar.”

A profissão é tida como pouco interessan­te e o governo se esforça para atrair jovens. A média de idade dos professore­s é de 48 anos, o que significa experiênci­a e boa formação hoje, mas pode ser um problema no futuro. Nos últimos anos, a Estônia aumentou o salário docente em 80%, de ¤ 719 (R$ 1.826) para ¤ 1290 (R$ 5.624). O objetivo é chegar a um valor 120% maior do que a remuneraçã­o média no país.

“Se continuarm­os nesse caminho, só teremos cada vez mais sucesso”, diz a analista da fundação estoniana Praxis, que pesquisa políticas públicas, Eve Mägi. “A educação é a religião da não religiosa Estônia”, completa a outra analista Sandra Haugas. O país é considerad­o o menos religioso do mundo.

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FOTOS: RENATA CAFARDO/ESTADÃO Referência. Autonomia dos professore­s, apoio aos estudantes com problemas de aprendizag­em e continuida­de nas políticas públicas contribuem para bom resultado da Estônia
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Fã do Neymar. Romeo, de 11 anos, já fala inglês fluente
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