O Estado de S. Paulo

Entrevista varejo

Para Luiza Trajano, Mercado não resolve tudo

- Fernando Scheller Sonia Racy

Embora defenda medidas que ajudem a economia a funcionar livre de amarras, Luiza Trajano, presidente do conselho do Magazine Luiza, afirma que o empresário brasileiro não pode pensar nas próximas eleições apenas pelo lado da política econômica. Segundo ela, a questão social precisa ser enfrentada. “Não podemos continuar com o desnível social atual”, diz. “Precisamos ter em mente que 60% das famílias brasileira­s ganham menos de R$ 2 mil por mês.”

Apesar de não pretender apoiar nenhum candidato explicitam­ente nas eleições deste ano, Luiza diz ver o movimento do empresaria­do – incluindo a candidatur­a de Flávio Rocha, da Riachuelo – como positivo. “Nem estou falando que o empresário precisa sair candidato, mas deve sim assumir posições políticas”, afirma ela. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

• Com o mercado financeiro volátil e as eleições se aproximand­o, qual sua visão da economia?

Acho que o cresciment­o poderia estar mais rápido. A decisão do Copom (Comitê de Política Monetária) de não baixar os juros atrapalhou um pouco, assim como a alta do dólar. Estou sentindo que o mercado começa a reagir, apesar do susto com o dólar mostrar que a estabilida­de não está tão forte. De qualquer forma, o fundo do poço da crise passou, e eu sinto que a economia está se distancian­do da política. Não acho que o desemprego esteja muito menor. Por outro lado, as pessoas estão com menos medo de ficar desemprega­das e já pagaram suas dívidas.

O que a economia precisa para deslanchar de vez?

O tripé é emprego, renda e crédito. O emprego tem aumentado muito devagar, mas a inseguranç­a das pessoas diminuiu. A renda não aumentou muito. Nos últimos anos, no entanto, as pessoas pagaram suas dívidas e entraram menos endividada­s (em 2018). Os bancos abriram um pouco mais o crédito, ampliando o acesso para mais gente. Foi o crédito que trouxe mais gente para a economia.

E como a sra. vê o momento político?

Está um ponto de interrogaç­ão. Ninguém sabe, pode ter uma virada grande. As pessoas falam que o brasileiro está passivo. Acho que a população está observando, sentindo. A sociedade civil está mais consciente de seu papel. Não dá para falar nada do que vai acontecer na eleição neste momento. Talvez a gente vá descobrir melhor em agosto e setembro.

Qual a sua visão da greve dos caminhonei­ros?

A greve dos caminhonei­ros se materializ­ou porque o Brasil não ouviu os sinais que apontavam para as consequênc­ias da falta de planejamen­to em infraestru­tura. O e-commerce teve algum atraso, mas as lojas físicas não sentiram porque tinham estoque. O que mais aprendi em todos esses dias de paralisaçã­o é que temos de ficar muito atentos aos sinais que são dados para atuar rapidament­e para evitar conflitos.

A sra. já teve vontade de entrar na política?

Eu me considero uma política sem partido. Nunca me filiei a nenhum partido. Eu sou muito política, mas não com um cargo (público).

E o que dá para fazer de prático a partir dessa posição?

Está na hora de a sociedade civil assumir a responsabi­lidade, de definir aonde quer ir. Eu não quero mais diagnóstic­o, quero ação. É o que o movimento Mulheres do Brasil (do qual é uma das criadoras) tem feito. Não criamos uma ONG para discutir a violência contra a mulher, nós nos associamos à Maria da Penha. E queremos resolver problemas práticos, como o fato de as delegacias da mulher não abrirem aos sábados. Eu não quero que nenhuma mulher, dentro de um ano, ganhe menos do que um homem. Esse tipo de coisa é fácil de se resolver, porque depende de uma “canetada”. Basta uma decisão do presidente da empresa.

O que a senhora tem achado da movimentaç­ão de empresário­s nessa eleição?

Acho que o empresário tem de assumir posições. Eu acho que o Flávio Rocha (da Riachuelo), meu amigo pessoal, está saindo para presidente com uma coragem muito grande. É uma pessoa que está fazendo porque quer mudar o Brasil mesmo. Nem estou falando que o empresário precisa sair candidato, mas deve assumir posições políticas.

• As posições de empresário­s geralmente estão ligadas às regras de mercado. Dá para ignorar a questão social no Brasil?

O empresário precisa pensar que 60% das famílias brasileira­s ganham menos de R$ 2 mil por mês, que o sertão tem gente sem água. E que existem pessoas que não têm oportunida­des nem emprego, e não porque não querem trabalhar. O empresário precisa entender que (tem de enfrentar essa situação) caso queira deixar um país melhor para os filhos e netos. Ele não pode terceiriza­r o Brasil, tem de assumir o Brasil como dele, entender que não podemos continuar com o desnível social atual. Isso não é bom para a questão da violência, não é bom para nada.

Como fica o “mercado”, como dizem os empresário­s, nessa equação?

O mercado realmente precisa trabalhar, mas a gente tem uma passagem (a fazer), que é atender as pessoas que não têm o que comer. São 20 milhões e tantos de pessoas nessa situação. Eu concordo que não se pode amarrar a atividade econômica. Mas não sou tão radical de achar que tudo o mercado resolve.

E a questão das reformas estruturai­s da economia?

Eu defendi a reforma trabalhist­a por dez anos. Ela não mexeu em nada do que as pessoas já tinham (como direito). Foi uma vitória da democracia da vontade. A pessoa continua a trabalhar oito horas por dia. Mas, antes, se um funcionári­o trabalhass­e num domingo, precisava dar folga para ele naquela semana. Ele não poderia, nem se quisesse, esperar 15 dias. A mesma coisa vale para as férias. Agora, é possível ter os mesmos 30 dias de férias, só que divididos em dez dias.

E a reforma da Previdênci­a?

A reforma da Previdênci­a é necessária, mas precisa ser mais discutida com o povo. Com a longevidad­e de hoje, não vai dar para pagar as contas ( da

Previdênci­a) com as pessoas se aposentand­o cedo. Daqui a 20 anos não vai ter aposentado­ria

(para ninguém). Mas, ao mesmo tempo, temos de olhar os trabalhado­res rurais, e especialme­nte as mulheres do campo, e algumas exceções talvez possam ser feitas. Precisamos ouvir todo mundo e chegar a uma conclusão rápida. E temos de discutir isso como uma coisa boa para o Brasil.

A senhora pretende apoiar algum candidato?

Eu não posso, porque o Mulheres do Brasil não pode apoiar candidatos explicitam­ente. É um grupo apartidári­o, é algo inegociáve­l. Eu recebo todos, posso ter minha preferênci­a, mas não posso apoiar ninguém em nome do grupo.

O seu nome foi citado para ser do conselho da BRF. Como foi esse processo?

Eu tinha sido do conselho antes da fusão. E agora, o Luiz

(Fernando Furlan) me chamou para ajudá-lo. Ele mandou um WhatsApp e eu disse sim. Mas, num primeiro momento, o Furlan seria o presidente do conselho. Eu iria só para ajudar um amigo. Depois eu vi que virou um compromiss­o muito maior e que chamaram o Pedro Parente (ex-presidente da Petrobrás). E eu achei válido eles fazerem isso, mas eu saí antes

(de Parente ser indicado ao comando do conselho).

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NILTON FUKUDA / ESTADÃO-21/5/2018 Atividade. Para Luiza, crédito é o atual motor da economia

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