Com incerteza eleitoral, mercado prevê mais tensão e economia quase parada
Turbulência. Para analistas e investidores, dificuldade de um nome de centro avançar nas pesquisas eleitorais tem contribuído para o quadro de instabilidade econômica vivida no País, levando, por exemplo, o dólar a atingir quase R$ 4 na semana passada
As últimas semanas têm sido de turbulência atrás de turbulência no Brasil. Mal saiu de uma greve de caminhoneiros que provocou uma grave crise de abastecimento e colocou as cidades à beira do caos, o País viu uma espécie de pânico tomar conta dos mercados financeiros, com o dólar atingindo patamar próximo de R$ 4 e a Bolsa chegando a desabar 6,5% na tarde de quinta-feira.
A quatro meses das eleições, o mercado financeiro parece se dar conta de que o cenário para 2018 é muito mais complicado do que se imaginava. A reforma da Previdência não veio. A recuperação econômica que se esperava não ocorreu. O desemprego não caiu. O quadro externo, no qual sobrava dinheiro para se aplicar mundo afora, começou a mudar com a perspectiva de alta maior dos juros nos Estados Unidos e uma ameaça constante de guerra comercial capitaneada pelo presidente americano, Donald Trump.
Para a economia, o que se pinta agora é um quadro de crescimento bem menor, já beirando uma estagnação. Na sexta-feira, mais uma série de bancos reviu, para baixo, suas projeções para o PIB deste ano. O Bradesco reduziu sua previsão de 2,5% para 1,5%; o Itaú Unibanco, de 2% para 1,7%; o Bank of America Merrill Lynch, de 2,1% para 1,5%. Mas já há quem fale em apenas 1%–o mesmo crescimento de 2017, após queda de 7,2% no biênio 2015 e 2016.
O que a maior parte dos analistas acreditava e defendia no início do ano era que todo o processo vivido nos últimos tempos, com uma profunda recessão, tinha deixado claro para a população que, sem reformas estruturais, como a da Previdência, o Brasil iria à bancarrota. E que, fosse qual fosse o presidente eleito, não se poderia fugir da necessidade dessas reformas.
A greve dos caminhoneiros mostrou que a realidade é diferente. Os motoristas foram atrás de subsídios para baratear o preço do óleo diesel e tiveram amplo apoio da população. Para os analistas, ficou claro que o discurso liberal ainda encontra forte resistência. “Há um contraste cruel entre o que o mercado idealizou e a realidade crua da política brasileira”, diz Paulo Leme, presidente do conselho de administração da Vin land Capital Management.
O risco que o mercado passou a temer, portanto, é a ascensão de uma candidatura populista – que significaria, nesse caso, mais intervenção estatal na economia, mais subsídios, menos privatizações.
A dificuldade de avanço nas pesquisas de Geraldo Alckmin (PSDB), mais identificado com as reformas, e o fortalecimento de Jair Bolsonaro (PSL) e Ciro Gomes (PDT), de perfis mais intervencionistas, têm provocado desalento entre investidores, como mostra levantamento feito pelo Estado com instituições financeiras. E ninguém tem dúvidas de que a forte volatilidade financeira que o País vive a deve perdurar por um bom tempo.
PIB deve andar de lado até o próximo ano
A percepção de avanço de candidaturas que representam extremos ideológicos aos olhos do mercado, casos de Ciro Gomes (PDT) e de Jair Bolsonaro (PSL), tem contribuído para o sentimento de desalento de investidores. Eles antecipam risco de desfecho eleitoral desfavorável à agenda de reformas e, consequentemente, ao desempenho da economia, segundo levantamento feito pelo ‘Estado’ com dez instituições financeiras e sondagem feita pela XP Investimentos com 204 investidores.
Tal avaliação vem sendo embalada pelo mau desempenho nas pesquisas de candidatos vistos como fiscalmente responsáveis, como Geraldo Alckmin (PSDB), que segue patinando, e Henrique Meirelles (MDB), que demonstra raquitismo nas prévias eleitorais.
Analistas avaliam que Bolsonaro e Ciro se fortaleceram com a crise política provocada pela greve dos caminhoneiros e a fragilidade do governo Temer. A leitura, diante do apoio popular ao movimento grevista, é de que um candidato reformista tem menos chances de ser eleito. “O comprometimento do candidato que o mercado quer, de prosseguir com a agenda de reformas, não é o mesmo do eleitor comum”, afirma Sérgio Lazzarini, professor do Insper.
O descompasso entre a aspiração dos investidores e as indicações recentes do eleitorado, que sinaliza aderência a discursos mais populistas, tem forçado o mercado a refazer suas contas, diz Paulo Leme, da Vinland Capital. “Há contraste cruel entre o que o mercado idealizou e a realidade crua da política brasileira.”
O revés nas expectativas transpareceu de forma mais clara nos últimos dias em sondagem da XP Investimentos, que, desde 2017, reúne impressões dos investidores sobre os presidenciáveis. Até abril deste ano, o levantamento mostrava que as fichas do mercado estavam na candidatura de Alckmin, a quem se atribuía boas chances de chegar ao Planalto. Agora a pesquisa, que ouviu 204 investidores nos dias 4 e 5 de junho, indicou aposta maior num segundo turno entre Ciro e Bolsonaro, com investidores creditando mais chances de vitória ao deputado.
O problema aos olhos do mercado é que nenhum dos dois desfruta, por ora, da confiança que os investidores depositam em Alckmin, cuja eleição levaria à alta da Bolsa e à queda do dólar e dos juros para a maior parte dos investidores ouvidos pela XP.
Na comparação com Bolsonaro, Ciro assusta mais. Dos entrevistados, 94% apostam que, se ele vencer, a Bolsa recuará. Já 80% projetam desvalorização do câmbio, levando o dólar para mais de R$ 4.
Entre as instituições ouvidas pelo Estado, que falaram sob reserva, foi manifestada preocupação em relação ao discurso de Ciro de ingerência na economia, de uso das estatais e de aumento de impostos em detrimento do corte de gastos.
A avaliação do “risco Bolsonaro” vem melhorando a cada sondagem da XP, mas o mercado ainda se mostra reticente. A maior parte (51%) não acredita na capacidade de a vitória de Bolsonaro impulsionar a Bolsa e 45% dizem que sua vitória levaria à alta do dólar.
Desconfiança. Os investidores que falaram ao Estado demonstraram incerteza em relação ao comprometimento de Bolsonaro com a agenda liberal que vem sendo propagada por Paulo Guedes, que coordena o programa econômico do deputado. A maior parte dos investidores citou posicionamentos estatizantes e intervencionistas de Bolsonaro no passado como razão para a desconfiança. Também é motivo de temor o fato de Bolsonaro pertencer a um partido pequeno, o que levaria à dificuldade de articular a aprovação de medidas no Congresso.
Ainda correndo por fora, à espera de uma decisão do PT, Fernando Haddad desperta desconfiança tanto quanto Ciro Gomes. Se eleito, a Bolsa cairia do patamar atual, segundo 94% dos investidores ouvidos pela XP. Para 51%, cairia abaixo dos 65 mil pontos. O câmbio ficaria acima de R$ 4 para 70% dos consultados.
Para Silvia Matos, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV, o cenário de pânico visto no mercado financeiro nos últimos dias é um sinal de alerta tanto para a sociedade quanto para os pré-candidatos. Fuga de capitais, alta no dólar e desvalorização de ações na Bolsa seriam uma antecipação do que poderia ocorrer num governo populista.
Segundo o cientista político do Insper, Carlos Melo, o maior risco, nesse caso, é de “desinstitucionalização”. “Um líder populista renega a lei e esvazia as instituições. Na economia, por exemplo, não haverá regras e normas claras”, afirma. “Não há como ter desenvolvimento nem bem-estar econômico.”