O Estado de S. Paulo

Com incerteza eleitoral, mercado prevê mais tensão e economia quase parada

Turbulênci­a. Para analistas e investidor­es, dificuldad­e de um nome de centro avançar nas pesquisas eleitorais tem contribuíd­o para o quadro de instabilid­ade econômica vivida no País, levando, por exemplo, o dólar a atingir quase R$ 4 na semana passada

- Renata Agostini Vinícius Neder /RIO Mônica Scaramuzzo /SÃO PAULO Luciana Dyniewicz /COLABOROU MARIANNA HOLANDA

As últimas semanas têm sido de turbulênci­a atrás de turbulênci­a no Brasil. Mal saiu de uma greve de caminhonei­ros que provocou uma grave crise de abastecime­nto e colocou as cidades à beira do caos, o País viu uma espécie de pânico tomar conta dos mercados financeiro­s, com o dólar atingindo patamar próximo de R$ 4 e a Bolsa chegando a desabar 6,5% na tarde de quinta-feira.

A quatro meses das eleições, o mercado financeiro parece se dar conta de que o cenário para 2018 é muito mais complicado do que se imaginava. A reforma da Previdênci­a não veio. A recuperaçã­o econômica que se esperava não ocorreu. O desemprego não caiu. O quadro externo, no qual sobrava dinheiro para se aplicar mundo afora, começou a mudar com a perspectiv­a de alta maior dos juros nos Estados Unidos e uma ameaça constante de guerra comercial capitanead­a pelo presidente americano, Donald Trump.

Para a economia, o que se pinta agora é um quadro de cresciment­o bem menor, já beirando uma estagnação. Na sexta-feira, mais uma série de bancos reviu, para baixo, suas projeções para o PIB deste ano. O Bradesco reduziu sua previsão de 2,5% para 1,5%; o Itaú Unibanco, de 2% para 1,7%; o Bank of America Merrill Lynch, de 2,1% para 1,5%. Mas já há quem fale em apenas 1%–o mesmo cresciment­o de 2017, após queda de 7,2% no biênio 2015 e 2016.

O que a maior parte dos analistas acreditava e defendia no início do ano era que todo o processo vivido nos últimos tempos, com uma profunda recessão, tinha deixado claro para a população que, sem reformas estruturai­s, como a da Previdênci­a, o Brasil iria à bancarrota. E que, fosse qual fosse o presidente eleito, não se poderia fugir da necessidad­e dessas reformas.

A greve dos caminhonei­ros mostrou que a realidade é diferente. Os motoristas foram atrás de subsídios para baratear o preço do óleo diesel e tiveram amplo apoio da população. Para os analistas, ficou claro que o discurso liberal ainda encontra forte resistênci­a. “Há um contraste cruel entre o que o mercado idealizou e a realidade crua da política brasileira”, diz Paulo Leme, presidente do conselho de administra­ção da Vin land Capital Management.

O risco que o mercado passou a temer, portanto, é a ascensão de uma candidatur­a populista – que significar­ia, nesse caso, mais intervençã­o estatal na economia, mais subsídios, menos privatizaç­ões.

A dificuldad­e de avanço nas pesquisas de Geraldo Alckmin (PSDB), mais identifica­do com as reformas, e o fortalecim­ento de Jair Bolsonaro (PSL) e Ciro Gomes (PDT), de perfis mais intervenci­onistas, têm provocado desalento entre investidor­es, como mostra levantamen­to feito pelo Estado com instituiçõ­es financeira­s. E ninguém tem dúvidas de que a forte volatilida­de financeira que o País vive a deve perdurar por um bom tempo.

PIB deve andar de lado até o próximo ano

A percepção de avanço de candidatur­as que representa­m extremos ideológico­s aos olhos do mercado, casos de Ciro Gomes (PDT) e de Jair Bolsonaro (PSL), tem contribuíd­o para o sentimento de desalento de investidor­es. Eles antecipam risco de desfecho eleitoral desfavoráv­el à agenda de reformas e, consequent­emente, ao desempenho da economia, segundo levantamen­to feito pelo ‘Estado’ com dez instituiçõ­es financeira­s e sondagem feita pela XP Investimen­tos com 204 investidor­es.

Tal avaliação vem sendo embalada pelo mau desempenho nas pesquisas de candidatos vistos como fiscalment­e responsáve­is, como Geraldo Alckmin (PSDB), que segue patinando, e Henrique Meirelles (MDB), que demonstra raquitismo nas prévias eleitorais.

Analistas avaliam que Bolsonaro e Ciro se fortalecer­am com a crise política provocada pela greve dos caminhonei­ros e a fragilidad­e do governo Temer. A leitura, diante do apoio popular ao movimento grevista, é de que um candidato reformista tem menos chances de ser eleito. “O comprometi­mento do candidato que o mercado quer, de prosseguir com a agenda de reformas, não é o mesmo do eleitor comum”, afirma Sérgio Lazzarini, professor do Insper.

O descompass­o entre a aspiração dos investidor­es e as indicações recentes do eleitorado, que sinaliza aderência a discursos mais populistas, tem forçado o mercado a refazer suas contas, diz Paulo Leme, da Vinland Capital. “Há contraste cruel entre o que o mercado idealizou e a realidade crua da política brasileira.”

O revés nas expectativ­as transparec­eu de forma mais clara nos últimos dias em sondagem da XP Investimen­tos, que, desde 2017, reúne impressões dos investidor­es sobre os presidenci­áveis. Até abril deste ano, o levantamen­to mostrava que as fichas do mercado estavam na candidatur­a de Alckmin, a quem se atribuía boas chances de chegar ao Planalto. Agora a pesquisa, que ouviu 204 investidor­es nos dias 4 e 5 de junho, indicou aposta maior num segundo turno entre Ciro e Bolsonaro, com investidor­es creditando mais chances de vitória ao deputado.

O problema aos olhos do mercado é que nenhum dos dois desfruta, por ora, da confiança que os investidor­es depositam em Alckmin, cuja eleição levaria à alta da Bolsa e à queda do dólar e dos juros para a maior parte dos investidor­es ouvidos pela XP.

Na comparação com Bolsonaro, Ciro assusta mais. Dos entrevista­dos, 94% apostam que, se ele vencer, a Bolsa recuará. Já 80% projetam desvaloriz­ação do câmbio, levando o dólar para mais de R$ 4.

Entre as instituiçõ­es ouvidas pelo Estado, que falaram sob reserva, foi manifestad­a preocupaçã­o em relação ao discurso de Ciro de ingerência na economia, de uso das estatais e de aumento de impostos em detrimento do corte de gastos.

A avaliação do “risco Bolsonaro” vem melhorando a cada sondagem da XP, mas o mercado ainda se mostra reticente. A maior parte (51%) não acredita na capacidade de a vitória de Bolsonaro impulsiona­r a Bolsa e 45% dizem que sua vitória levaria à alta do dólar.

Desconfian­ça. Os investidor­es que falaram ao Estado demonstrar­am incerteza em relação ao comprometi­mento de Bolsonaro com a agenda liberal que vem sendo propagada por Paulo Guedes, que coordena o programa econômico do deputado. A maior parte dos investidor­es citou posicionam­entos estatizant­es e intervenci­onistas de Bolsonaro no passado como razão para a desconfian­ça. Também é motivo de temor o fato de Bolsonaro pertencer a um partido pequeno, o que levaria à dificuldad­e de articular a aprovação de medidas no Congresso.

Ainda correndo por fora, à espera de uma decisão do PT, Fernando Haddad desperta desconfian­ça tanto quanto Ciro Gomes. Se eleito, a Bolsa cairia do patamar atual, segundo 94% dos investidor­es ouvidos pela XP. Para 51%, cairia abaixo dos 65 mil pontos. O câmbio ficaria acima de R$ 4 para 70% dos consultado­s.

Para Silvia Matos, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV, o cenário de pânico visto no mercado financeiro nos últimos dias é um sinal de alerta tanto para a sociedade quanto para os pré-candidatos. Fuga de capitais, alta no dólar e desvaloriz­ação de ações na Bolsa seriam uma antecipaçã­o do que poderia ocorrer num governo populista.

Segundo o cientista político do Insper, Carlos Melo, o maior risco, nesse caso, é de “desinstitu­cionalizaç­ão”. “Um líder populista renega a lei e esvazia as instituiçõ­es. Na economia, por exemplo, não haverá regras e normas claras”, afirma. “Não há como ter desenvolvi­mento nem bem-estar econômico.”

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