O Estado de S. Paulo

‘O escândalo de dados do Facebook mudou o jogo’

Executiva do fundo Omidyar Network quer ajudar gigantes de tecnologia a ‘enxergar’ sua responsabi­lidade

- Claudia Tozetto

A cingapuria­na Paula Goldman tenta, há seis meses, resolver um dos enigmas mais difíceis da internet hoje: como acabar com as notícias falsas e impedir o uso de redes sociais para manipulaçã­o de eleições? Enquanto muitos acreditam que tratam-se de problemas insolúveis, Paula se mantém otimista. “É um momento de grande oportunida­de”, diz ela.

A executiva lidera o Laboratóri­o de Soluções de Tecnologia e Sociedade, criado em dezembro de 2017 pelo Omidyar Network – fundo de investimen­tos americano fundado pelo bilionário Pierre Omidyar, que criou o site de compra e venda eBay. Depois de anos liderando aportes do fundo, Paula, que é Ph.D pela Universida­de de Harvard, decidiu entender as consequênc­ias inesperada­s do crescente uso de tecnologia. Leia a seguir trechos da entrevista.

Por que a Omidyar Network decidiu criar o laboratóri­o?

O Omidyar Network é um fundo de investimen­to em empresas e organizaçõ­es sem fins lucrativos. Por mais de dez anos achávamos que a tecnologia conectaria as pessoas e permitiria coisas fabulosas para o mundo. Isso aconteceu, mas a tecnologia também trouxe consequênc­ias inesperada­s. Começamos a ouvir sobre as notícias falsas, estrangeir­os tentando interferir em eleições e pessoas cometendo todo tipo de abuso em plataforma­s online. Por isso, decidimos ajudar as empresas de tecnologia a desenvolve­r mais responsabi­lidade em relação aos produtos que colocam no mundo.

Qual o porte do laboratóri­o atualmente?

Nós somos como uma startup. A equipe tem cinco pessoas, mas vamos contratar mais gente conforme os projetos aumentarem.

Em que tipo de iniciativa­s estão trabalhand­o?

Financiamo­s pesquisas de instituiçõ­es externas, como é o caso do Center for Humane Technology (ler mais acima), pois eles têm realizado um ótimo trabalho. Também estamos financiand­o pesquisas no Reino Unido. Além disso, temos iniciativa­s próprias: estamos preparando uma competição para estudantes de Ciências da Computação, que vai ligar a ideia de responsabi­lidade à programaçã­o. Também estamos ajudando a criar uma comissão acadêmica independen­te que terá acesso a dados do Facebook e poderá fazer estudos sobre seu papel nas eleições e impacto na democracia.

Por que isso é importante?

Em um mundo em que essas empresas têm tanto poder, vamos precisar de instituiçõ­es independen­tes que possam acessar dados de forma responsáve­l e apontar algumas tendências. Não podemos deixar isso para as plataforma­s. Precisamos engajar a sociedade.

Qual é o maior desafio para colocar os projetos em prática?

Cada um deles traz desafios diferentes, mas estamos num momento em que temos uma grande oportunida­de. O escândalo do uso ilícito de dados do Facebook pela Cambridge Analytica foi um divisor de águas na história recente. Isso mudou o jogo e as pessoas estão famintas por soluções. O problema está claro. O que precisamos é definir o que são boas práticas.

• Mesmo antes do escândalo do Facebook, as empresas de tecnologia já estavam sob críticas, após anos sendo vistas como salvadoras. O que mudou?

Várias coisas mudaram. Uma delas foi a tentativa de interferên­cia externa nas eleições dos Estados Unidos e o próprio uso dessas plataforma­s durante campanhas eleitorais. Além disso, as pessoas tomaram consciênci­a de que a tecnologia se tornou parte de nossa vida e que o poder está nas mãos dos inovadores. Com isso, o nível de responsabi­lidade das empresas aumentou.

• Os esforços recentes das gigantes em relação ao bem-estar digital já são uma reação?

Eu vejo isso como uma melhoria e estou empolgada com essa tendência, pois gera impacto para as pessoas individual­mente. Vejo isso pela minha própria experiênci­a. Muitas vezes me pego olhando para o meu celular e penso ‘O que eu fiz na última hora da minha vida?’. Acho que os anúncios recentes de Google e Apple (ler mais abaixo) são o início de uma onda crescente.

As empresas estão abertas a debater sua responsabi­lidade?

Sim, absolutame­nte. Não é legal ver sua empresa nas manchetes dos jornais diariament­e. As companhias sabem que isso é ruim para os negócios. Elas estão em busca de soluções para seus problemas.

Países emergentes, como o Brasil, podem ajudar?

Temos visto um aumento nas discussões em países emergentes. O Brasil é um dos maiores mercados para todas as grandes empresas de tecnologia e o País tem condições de exercer enorme influência sobre a forma como essas plataforma­s funcionam.

““Em um momento em que essas empresas têm tanto poder, vamos precisar de instituiçõ­es independen­tes que possam acessar dados de forma responsáve­l e apontar tendências. Não podemos deixar isso para as plataforma­s.”

“Não é legal ver sua empresa nas manchetes dos jornais diariament­e. As companhias sabem que é ruim para os negócios. Elas estão em busca de soluções para seus problemas.”

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OMIDYAR NETWORK Chance. Brasil pode exercer influência sobre gigantes, diz Paula

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