O Estado de S. Paulo

BEM-ESTAR GANHA ESPAÇO NO SMARTPHONE

Apple e Google lançam recursos para estimular reflexão sobre uso excessivo da tecnologia

- Bruno Caniato

Parece um contrassen­so, mas depois de anos fazendo as pessoas passarem cada vez mais tempo conectadas, a indústria de tecnologia quer que sua legião de usuários se desconecte. Pelo menos é isso que novos controles para o uso do smartphone e de aplicativo­s, anunciados recentemen­te por gigantes como Google e Apple, se propõem a fazer. Ambas as empresas estão apostando no ‘bem-estar digital’.

O Google, em sua conferênci­a para desenvolve­dores no início de maio, embutiu na nova versão do Android uma série de recursos para desestimul­ar o uso excessivo de smartphone­s. Já a Apple, na última semana, revelou um app que vai detalhar quanto tempo a pessoa gastou com o iPhone ou iPad – e até bloquear seu uso, se necessário.

Bem parecidos entre si, os recursos permitem monitorar o tempo gasto, definir limites e bloquear notificaçõ­es. Em janeiro, o Facebook já havia reformulad­o seu algoritmo para mostrar mais conteúdos de família e amigos, reduzindo o tempo que as pessoas passam na rede.

A tendência do bem-estar digital não surgiu por acaso. Após o escândalo do uso ilícito de dados de 87 milhões de usuários do Facebook, as gigantes de tecnologia entraram na mira de governos e órgãos reguladore­s. Agora, elas tentam reconstrui­r a imagem e mostrar responsabi­lidade. Se a estratégia der certo, as gigantes podem afastar de si a ameaça de regras mais duras ou mesmo novas regulament­ações pelo mundo.

Impacto. Segundo o professor da ESPM, Edney Souza, o movimento para reduzir o tempo de uso da tecnologia é positivo. “Quando o usuário vê gráficos sobre como ele distribui seu tempo, isso gera uma reflexão”, afirma. Contudo, ele alerta que é importante pensar nos fatores externos que levam ao abuso do celular. “O celular é uma válvula de escape”, opina.

Isso tem a ver com o mecanismo psicológic­o que leva os usuários a abusarem da tecnologia. A psicóloga Sylvia van Enck, do Programa de Dependênci­as Tecnológic­as do Hospital das Clínicas, em São Paulo, explica que isso tem a ver com a sensação de prazer que jogar ou trocar mensagens proporcion­a.

“O cérebro libera dopamina, responsáve­l por essa sensação”, esclarece a especialis­ta. “Além disso, sempre que você posta, se sente gratificad­o.” Para a psicóloga, as novas ferramenta­s de redução do uso são interessan­tes, mas não são efetivas por si só, pois dependem da vontade do indivíduo.

Dar informação sobre o uso do celular ao usuário não é suficiente, segundo o pesquisado­r de Ciências da Computação da Universida­de Federal de Minas Gerais (UFMG), Fabrício Benevenuto. As empresas, diz ele, deveriam repensar seus modelos de negócio. “Essas empresas lucram ao manter as pessoas constantem­ente online.”

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MARCIO JOSE SANCHEZ/AP-4/6/2018 Uso. Apple mostrará aos usuários tempo gasto no iPhone

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