O Estado de S. Paulo

Estereótip­os de gênero

- RUTH MANUS E-MAIL: RUTH.MANUS@ESTADAO.COM RUTH MANUS ESCREVE AOS DOMINGOS

Em que pese o fato de eu detestar os estereótip­os de gênero, há algumas verdades das quais nós dificilmen­te conseguimo­s fugir. Certos comportame­ntos que se repetem dia após dia, ano após ano, que nos fazem pensar que, sim, nós somos realmente muito diferentes, homens e mulheres.

E uma das principais coisas que me faz pensar nisso é a diferença essencial que reside no comportame­nto masculino e feminino na hora de procurar coisas. É claro que há exceções, mas por vezes a regra é tão latente que não podemos fugir dela.

O raciocínio é o seguinte: imagine que você esqueceu alguma coisa em casa e precisa que alguém a leve até a porta, pois você passará para buscar o objeto dentro de 10 minutos. Vamos supor que o objeto seja algo complexo e desafiador como a sua carteira.

Situação 1: você liga para casa e quem atende é sua filha, sua empregada, sua irmã, sua esposa, sua enteada, sua cunhada, sua prima, sua neta, sua mãe, sua tia, sua avó, sua madrasta ou qualquer outro indivíduo tido como mulher.

O diálogo é o seguinte: – Oi. – Oi. – Olha, esqueci minha carteira em casa, preciso que você traga para mim, na porta de casa, daqui dez minutos. – Ok. Onde está? – No meu quarto, em cima da cômoda, ao lado do porta-retrato.

– Beleza. – Obrigada, até já. – De nada, até.

E é assim que a coisa acontece, sem maiores polêmicas ou desafios. A carteira é entregue para o(a) proprietár­io(a), na porta de casa, dentro de um lapso de dez minutos, com variações de dois minutos para mais ou para menos.

Situação 2: você liga para casa e quem atende é seu pai, seu filho, seu enteado, seu marido, seu padrasto, seu empregado, seu cunhado, seu primo, seu tio, seu avô, seu sobrinho ou qualquer outro ser humano considerad­o homem.

O diálogo é o seguinte: Oi. Oi. Olha, esqueci minha carteira em casa, preciso que você traga para mim, na porta casa, daqui dez minutos. ESQUECEU O QUÊ? Minha carteira. E DAÍ? E daí que eu preciso que você pegue a carteira e leve na porta daqui 10 minutos. QUE PORTA? De casa. TÁ. MAS CADÊ? Tá no meu quarto, em cima da cômoda, ao lado do porta-retrato. QUAL QUARTO? O meu. TÁ. MAS FICA NA LINHA QUE EU VOU LÁ VER. Tá. TÔ NO QUARTO. CADÊ A CARTEIRA? Na cômoda. NÃO TEM NENHUMA CARTEIRA NA CÔMODA. Como não? Tá aí, eu vi hoje cedo. NÃO. SÓ TEM UNS LIVROS, UM VASO, UNS ÓCULOS. Não. Essa é a estante. A carteira tá na cômoda. CÔMODA É O GAVETEIRO? Isso, chame como você quiser. Tá ali em cima. HUM... NÃO TÁ. Gente do céu. Tá vendo minha agenda? UMA LARANJA? É vermelha, mas, sim, é ela. AHN. Atrás dela não tem um porta-retrato? UM COM UMA FOTO SUA COM A JUJU? Não é a Juju, é a Luísa, mas, sim, é esse. Ao lado dele tá a carteira. NÃO TÁ NÃO. Ai meu Deus. Não tem nada do lado do porta-retrato? SÓ TEM UMA BOLSINHA. Roxa? AH, EU ACHO QUE ISSO É MEIO AZUL, MAS PRA VOCÊ É CAPAZ DE SER ROXO. Então, isso é a minha carteira. NOSSA, SUA CARTEIRA TEM ZÍPER? Tem. E É IMENSA, QUE QUE VOCÊ COLOCA AQUI? Minhas coisas. Olha, você pode levar pra mim na porta? QUE PORTA? De casa. QUANDO? Agora. MAS NÃO ERA DAQUI DEZ MINUTOS? Você levou quinze procurando. MAS É PORQUE VOCÊ NÃO EXPLICA DIREITO. Tô aqui na frente. DO QUÊ? Da porta. QUE PORTA? De casa. Você traz? AGORA? Isso. MAS EU TÔ DE PIJAMA. Pode ser de pijama mesmo. MAS EU PRECISO COLOCAR UM CHINELO. Tudo bem. Eu espero. Obrigada.

E é assim que acontece. Ele ainda leva uns minutos para chegar – porque precisou ir até o banheiro com urgência –, depois resolve te dar um pequeno sermão, dizendo que você precisa se organizar melhor e que não pode ficar irritada com uma pessoa que está te ajudando. Quando se afasta ele ainda se vira e diz AH, VOCÊ POR ACASO SABE ONDE ESTÁ MEU CASACO PRETO? e você diz tranquilam­ente “Tá atrás da porta” e ele arregala o olhos e diz QUE PORTA?

‘Só tem uma bolsinha’. Roxa? ‘Acho que é meio azul, mas pra você é capaz de ser roxo’

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