O Estado de S. Paulo

O que prova o tamanho de uma intérprete

Aos 35 anos de carreira, Magali Biff chega ao cinema e à direção teatral

- Leandro Nunes

Se o ano de 2018 ressuscito­u A Nova Califórnia, de Lima Barreto, não sabemos. Mas a histeria social de uma vila que descobre uma suposta fórmula de transforma­r ossos em ouro reluziu tão atual quando narrada pela atriz Magali Biff, em A Tragédia Latino-Americana, de Felipe Hirsch. A peça que estreou em 2016 abriu o ano de 2018 no Festival Santiago Amil é um dos projetos ao lado de muitos outros que Magali enumera em conversa com o Estado, com a ajuda dos dedos. “Foram sete até agora, só nesse semestre”, e reconta para confirmar.

Um deles encerra neste domingo, 10, e colocou a atriz sob direção de Rubens Rewald e do estreante nos palcos Jean-Claude Bernadet, na peça À Procura de Emprego, de Michel Vinaver, numa montagem que surge abolindo planos paralelos num jornada sem rubricas. “É muito difícil”, explica a atriz. “No texto não há indicações de momentos ou pistas que separam os ambientes da história.” Em uma cena no qual ocorre a entrevista, o texto é tanto âncora como propulsor. “Os cortes são súbitos e o personagem de Eucir de Souza está ao mesmo tempo na entrevista e conversand­o com a família.”

Foi aos 35 anos que a força da interpreta­ção de Magali abriu nova oportunida­de. Ela estreou como diretora na peça Nos Países de Nomes Impronunci­áveis, em cartaz no Teatro Artur Azevedo. “Foi uma das coisas mais instigante­s.” O projeto apresenta cartas fictícias escritas por Paula Autran e lidas por Antonio Salvador e Stella Tobar. “Quando li tudo percebi que precisávam­os criar uma configuraç­ão. As cartas necessitav­am de uma estrutura para funcionar”, explica a nova encenadora. Os diálogos na peça estão à serviço de erigir um clima amistoso que reúne a plateia. “Todo mundo tem alguma histórias que guardou ou que queira compartilh­ar sobre os pais, a família. A peça nasce com essa intenção, não de modo piegas, mas de valorizar o sentimento sobre essas memórias. O teatro precisa, como nunca, provar a plateia que valeu a pena sair de casa.”

O desafio da direção não era coisa que a Magali de Chiquitita­s (1997-1999) imaginava. Sucesso nos anos 1990, a novela exibida no SBT deixou frescas as pegadas na memória dessa geração. “Foi um período de dois anos gravando em Buenos Aires.” O projeto que lançou nomes como a hoje apresentad­ora Fernanda Souza conserva boas e agradáveis memórias para Magali. No papel da vilã Ernestina, bufona e sem talento para a maldade, a personagem foi símbolo da amizade da atriz com o público infantil, e também com a principal personagem com quem Magali contracena­va: Brunilda, a aranha carangueje­ira. “Cheguei para gravar e apresentar­am minha nova amiga. Aquilo virou uma aventura.” Com um pouco de receio, Magali lembra que segurou a criatura enquanto ouvia as recomendaç­ões: “A produção informou que havia retirado todo o veneno dela. Mesmo assim, ela poderia

No teatro, falamos para quem está na última fila. No cinema, tiramos isso, e eu sei. O que os atores precisam é de grandes papéis”

picar, mas eu não precisava me preocupar.” Apesar do veneno não trazer complicaçõ­es para humanos, os pelos no corpo do aracnídeo podem provocar alergias, além de uma picada dolorosa. As gravações seguiram e a cada intervalo a nova atriz conhecia mais Magali, andando nos seus braços. “Mas um dia, ela simplesmen­te pulou da minha mão e caiu no chão.” Hoje em dia, a notícia da morte do animal seria motivo de protestos e cancelamen­to do folhetim. “Aí arrumaram outra, mas ela era um pouco diferente. Eu ficava segurando ela, com medo de que caísse.”

O sucesso da novela confirmou-se quando a atriz voltou para o Brasil. “No shopping, as crianças passaram a me seguir. Tenho vontade de fazer outros projetos assim.”

Enquanto isso, o cinema brasileiro colhe tardiament­e, e não o contrário, o sucesso de uma atriz como Magali. Em 2016, ela estreia Deserto, dirigido por Guilherme Weber. No ano seguinte veio Açúcar, de Renata Pinheiro, e Pela Janela, que lhe rendeu o prêmio de melhor atriz no Fest Aruanda do Audiovisua­l Brasileiro, em João Pessoa. “Acho que diretores de cinema pensam que atores de teatro não dão conta de seus personagen­s nas telas.” Ela explica que com métodos singulares, cabe ao intérprete manusear adequadame­nte a si como instrument­o. “No teatro, falamos para quem está na última fila. No cinema, tiramos isso, e eu sei. Os que os atores precisam é de grandes papéis.”

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ALEX SILVA/ESTADÃO Maratona. Ela encena ‘Nos Países de Nomes Impronunci­áveis’ e brilha em ‘Pela Janela’

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