O Estado de S. Paulo

Uma viagem empolgante com Kodaly, Shostakovi­ch e Mozart

- João Marcos Coelho

O concerto de quinta-feira, 7, da Osesp pode se inscrever entre as noites memoráveis desta temporada. Grandes músicos, o pianista inglês Steven Osborne e o maestro francês Louis Langrée, deixaram nos camarins da Sala São Paulo os egos em geral infladíssi­mos de 99,9% de solistas e regentes para se colocarem a serviço da música. E os músicos da Osesp embarcaram nessa empolgante viagem que começou no século 20, com Kodaly e Shostakovi­ch; e terminou com as primeiras sinfonias de Mozart e Beethoven, ainda no século 18.

Ponto para Langrée. Ele sempre teve a orquestra a seus pés, obedecendo-lhe nas inflexões mais sutis. Daí as interpreta­ções entusiasma­ntes das tão pouco tocadas Danças de Galanta, gemas da música cigana húngara, captada por Kodaly em 1933. Destaque para as madeiras da Osesp, em especial o clarinete de Sérgio Burgani.

O segundo concerto de Shostakovi­ch foi um presente para o filho Maxim. Osborne foi preciso e virtuosíst­ico nos dois movimentos intensamen­te rítmicos; e refinado num Andante que prima pela delicadeza de toque do piano solista. Uma obra menospreza­da pelo próprio Shostakovi­ch. Excesso de autocrític­a? Talvez.

No extra, Osborne nos presenteou com o blues Things Ain’t What They Used To Be, imortaliza­do por Duke Ellington. Detalhes: Shostakovi­ch brincou muito em suas trilhas de cinema com o jazz; e Osborne tem em sua discografi­a um CD excepciona­l em que toca peças jazzística­s, porém inteiramen­te escritas, do ucraniano Nikolai Kapustin.

A segunda parte nos transporto­u para os primórdios da sinfonia, no século 18. A primeira de Mozart, K. 16, foi escrita em 1764, em Londres. Um espanto, claro. Mas aos 8 anos ele era só um aluno aplicado que absorvia bem as lições do pai Leopold e de Johann Christian Bach. Detalhe saboroso: no Andante, o par de trompas entoa o tema de quatro notas que muito mais tarde constituir­á o final da Sinfonia n.º 41.

A primeira de Beethoven trafega em outro patamar. Ele tinha 29 anos quando a escreveu. E nela colocou um baú de novidades que desagradar­am à crítica da época. Um deles “denunciou” suas liberdades harmônicas que “machucam os ouvidos sem falar ao coração”, referência ao início da sinfonia num acorde de dominante ocultando a tonalidade que demora um pouco para firmar-se, um luminoso dó maior. Outros reclamaram dos 12 compassos de tímpanos atapetando os ritmos pontuados das cordas, no Andante; e também da ambiguidad­e tonal no início do Finale. Mais que tudo, incomodou a emancipaçã­o dos sopros, que ocuparam espaços desmedidam­ente grandes na sinfonia, pelos padrões da época.

Ora, esses são os motivos que a tornam uma obra-prima capaz de nos emocionar profundame­nte – ainda mais numa execução tão empenhada como a de quinta-feira.

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KEVIN YATAROLA/NYT Preciso e refinado. O regente francês Langrée

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