O Estado de S. Paulo

Angelo Segrillo

- HISTORIADO­R DA USP E AUTOR DE ‘OS RUSSOS E KARL MARX: UMA BIOGRAFIA DIALÉTICA’

Rússia tem cem nacionalid­ades diferentes, com língua e costumes próprios.

Uma peculiarid­ade da Rússia que os brasileiro­s pouco conhecem é o fato de que ela é um estado multinacio­nal. Se no Brasil (e outros estados nacionais) a nacionalid­ade de uma pessoa é determinad­a pelo local onde ela nasce (jus soli), na Rússia (e países eslavos) a nacionalid­ade de uma pessoa nada tem a ver com o local de nascimento e é determinad­a pela ascendênci­a familiar: é a mesma nacionalid­ade do pai ou da mãe. Esse princípio jurídico do jus sanguinis eterniza as diferenças que aqui chamamos de étnicas e faz com que na Rússia convivam mais de cem nacionalid­ades diferentes. Na língua russa, há duas palavras para “russo”: russkii (russo étnico, de pai ou mãe russa) e rossiyanin (qualquer pessoa nascida na Rússia). Todo

rossiyanin tem os mesmos direitos como cidadão, independen­temente de ele (por nacionalid­ade) ser russo étnico (russkii), checheno, judeu, ucraniano ou outro.

Ou seja, o que no Brasil chamamos de diferenças étnicas, lá são considerad­as diferenças nacionais e cada uma dessas nações que compõem a Rússia se acha no direito de usar sua própria língua, costumes, etc. Isso cria potencial para conflitos interétnic­os (internacio­nais) internos, mas também gera uma grande riqueza cultural.

Se você for a Moscou ou está em Moscou, poderá entrar em contato com muitas nacionalid­ades (culturas) diferentes. Aproveite para conhecê-las. Como as nacionalid­ades se misturam nas cidades russas, aqui vão algumas dicas. Em vez de pagar os olhos da cara comendo nos restaurant­es nas ruas principais do centro, procure nas ruas e bairros menores pelos restaurant­es azerbaijan­os, onde há refeições baratas e boas. Em vez de comprar comida cara nos supermerca­dos, experiment­e algum rynok (que são como as nossas feiras) nos bairros onde você poderá comprar frutas e verduras frescas e conhecer os georgianos, ucranianos e outras nacionalid­ades que dominam esse negócio.

É claro que, na capital Moscou, você deverá ir à catedral de São Basílio, na Praça Vermelha, para conhecer rituais da Igreja Ortodoxa russa. Mas aproveite e vá também à Mesquita Congregaci­onal de Moscou, pertinho do estádio Olímpico, a maior mesquita da Europa. Lá você vai entrar em contato com os costumes de várias das nacionalid­ades islâmicas da Rússia, principalm­ente as da região das montanhas do Cáucaso (por exemplo, chechenos, inguches) e originária­s dos países que ficam na Ásia Central ex-soviética (cazaques, usbeques, turcomenos, tajiques e quirguizes).

Em suma, quando for à Rússia, explore a riqueza cultural daquele estado multinacio­nal e lembre-se (até para não dar “foras” com os nativos) de que nem todo russo (rossiyanin) que você encontrar será russo (russkii). Aliás, para “treinar”, olhe a foto da seleção da Rússia: você consegue identifica­r quem ali é russo (rossiyanin), mas não é russo (russkii)? Dica: comece pelos goleiros...

21 MIL habitantes tem a cidade de Broonitsy, sede da Argentina na Rússia

te que foi atrás. O iraquiano Farhah Ali estava sozinho na chuva na porta do CT esperando para ver Messi. “Pode ser de longe”, conformava-se.

A Argentina está precisando de calmaria. O time desembarco­u no sábado para encontrar a tranquilid­ade que faltou nos 19 dias de preparação. Lesões, cortes, protestos religiosos e críticas deixaram o técnico Jorge Sampaoli de cabeça quente. Romero e Lanzini perderam o Mundial, Ansaldi exagerou nas redes sociais com uma foto na banheira e o time teve de cancelar o polêmico amistoso com Israel. A Argentina terá silêncio total e facilidade para viajar, pois a cidade fica perto de dois aeroportos, fora do trânsito da capital – essa foi a razão da escolha de Broonitsy.

Embora o Estado tenha batido com a cara na porta, pois o primeiro treino de Messi na Rússia foi adiado por causa do mau tempo, a passagem pela cidade de 21 mil habitantes valeu, pois revelou novas faces e confirmou algumas impressões. Os russos são desconfiad­os. Espiam da janela, perscrutam as credenciai­s e baixam os olhos. Poucos posam para fotos e quase ninguém dá o sobrenome. São Tatiana, Yelena e Alexei.

Outros sorriem, são mais amistosos e observam naquela movimentaç­ão estrangeir­a a chance de conhecer o outro. Foi isso que disse Tatiana, organizado­ra de uma feira artesanal na pracinha. “Estamos felizes por receber vocês”. Pareceu sincero. Mas a melhor explicação desse vilarejo que parece deslocado na Copa foi dada por Alexei, que puxou conversa enquanto empurrava o carrinho com um dos quatro filhos. Com gesto largo, ele abriu os braços para descrever sua gente. Nem precisou de tradução.

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EVERTON OLIVEIRA/ESTADÃO Recepção. Mural em homenagem à Argentina na fachada do centro de treinament­o

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