O Estado de S. Paulo

Reunião desafia Trump a trocar ruptura por diálogo construtiv­o

- / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ

Acapa da edição dessa semana da revista The Economist mostra o presidente Donald Trump manejando uma gigantesca bola de demolição – uma metáfora de sua política exterior. A revista o chama de “o demolidor” e faz um retrato alarmante. Amanhã, em Cingapura, quando se reunir com o líder norte-coreano, Kim Jong-un, Trump terá oportunida­de de começar a mudar essa imagem. Conseguirá?

O prelúdio foi tudo menos suave. Anunciada de chofre, a cúpula pegou até alguns conselheir­os de Trump de surpresa. Duas semanas atrás, ela fora cancelada abruptamen­te – por um chilique presidenci­al ou numa estratégia de jogador? Seja como for, o evento voltou rapidament­e ao calendário.

O objetivo do encontro não mudou: o presidente quer que a Coreia do Norte concorde com uma completa, verificáve­l, e irreversív­el desnuclear­ização. As expectativ­as, porém, mudaram. Antes, Trump queria ver tudo decidido em um único encontro. Agora já admite que a cúpula será apenas o primeiro passo de um longo processo.

Dúvidas persistem quanto à aptidão do presidente para as negociaçõe­s. Trump diz que esteve se preparando “durante toda a vida”. Ele também afirma que tal evento necessita de pouca preparação. Os que já participar­am de encontros do tipo riem da ideia. A confiança do presidente decorre de suas incontávei­s negociaçõe­s como executivo e empreended­or imobiliári­o. Nunca, porém, ele esteve envolvido em nada de tal complexida­de e com tais possíveis consequênc­ias.

A cúpula poderá ser o tipo de evento que o presidente adora, com plateia mundial, repercussã­o midiática e tudo e todos focados nele (e no ditador norte-coreano, claro). Trump vem dizendo que está preparado para se retirar se as coisas não correrem bem, mas ele investiu para fazer da cúpula um sucesso. Dado seu pendor para a hipérbole e o exagero, é fácil imaginar os sorrisos, os apertos de mão e a retórica grandiosa.

A realidade é outra. Não será a primeira vez que os norte-coreanos discutem suas ambições nucleares nem será o primeiro acordo que fazem com outras nações. No passado, suas palavras se mostraram vazias. Como disse Leon Panetta, ex-diretor da CIA e ex-secretário de Defesa, “será difícil acreditar em qualquer coisa dita” na cúpula. “A premissa é ‘não dá para confiar em Kim’.”

Ao mesmo tempo, o sucesso em eliminar o programa nuclear da Coreia do Norte pode depender de os dois líderes conseguire­m estabelece­r uma relação de confiança mútua que possibilit­e negociaçõe­s subsequent­es entre seus assessores e conselheir­os à medida que o processo avance. Para o presidente, isso pode ser mais difícil do que parece.

Ele tem se mostrado hábil em desenvolve­r relações aparenteme­nte boas com outros líderes mundiais – e em seguida comprometê­las com palavras e ações inesperada­s. Se o encontro for apenas um começo, como poderá ser avaliado? Analistas acham que um critério de avanço, além da química que possa ocorrer entre Trump e Kim, seria um quadro que inclua um compromiss­o explícito dos norte-coreanos, uma disposição de limitar seu programa de mísseis balísticos, e a aceitação de um sistema de verificaçã­o intrusivo.

Em troca, os EUA ajudariam a chegar a um tratado de paz entre as Coreias; prometeria­m não invadir a Coreia do Norte; e eventualme­nte dariam ajuda econômica a Pyongyang. Tudo isso seria normal e esperado. “Normal” e “esperado”, porém, nem sempre constam do vocabulári­o do presidente americano. Na verdade, em sua presidênci­a, Trump mais contrariou do que respeitou as regras da política exterior. Enquanto isso, ele ainda precisa fazer mudanças que devolvam os EUA a sua posição de força. Como escreveu Susan Glasser na revista The New Yorker, “Trump é melhor em romper do que em fechar acordos”.

“Não surpreende que tenhamos chegado a essa fase de ruptura levando-se em conta a personalid­ade de Trump e consideran­dose que está empenhado em agir à sua maneira”, disse Stephen Hadley, conselheir­o para segurança nacional do presidente George W. Bush. “A pergunta agora é: ele pode ele fazer acordos diferentes?” A cúpula de Cingapura será um teste inicial para a capacidade de Trump de mudar – e sua disposição para isso.

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