O Estado de S. Paulo

EUA recuam e Kim fala em desarmamen­to

Presidente americano elogia ditador norte-coreano e promete pôr fim a exercícios militares conjuntos com Coreia do Sul, mas não obtém nenhuma garantia ou prazo para que regime de Pyongyang promova a completa desnuclear­ização da Península Coreana

- Lourival Sant’Anna ESPECIAL PARA O ESTADO CINGAPURA

Donald Trump prometeu pôr fim aos exercícios militares na Península Coreana. É a contrapart­ida a compromiss­o assumido por Kim Jong-un com a “completa desnuclear­ização” da região, apesar de não ter dado garantias.

O presidente dos EUA, Donald Trump, prometeu ontem pôr fim aos exercícios militares conjuntos com a Coreia do Sul, que há décadas são a materializ­ação do guarda-chuva americano contra a ameaça norte-coreana. É a contrapart­ida de Washington ao compromiss­o do ditador Kim Jong-un com a “completa desnuclear­ização da Península Coreana”.

O compromiss­o foi reafirmado por Kim em uma carta de intenções assinada pelos dois governante­s ao final de uma histórica reunião de cúpula em Cingapura. No documento, Trump promete “fornecer garantias de segurança à Coreia do Norte”. Mais tarde, o presidente explicou que isso significa a suspensão dos “jogos de guerra”, que classifico­u de caros e “provocativ­os”.

Foi uma concessão tão grande quanto inesperada. A percepção anterior dos observador­es na Coreia do Sul, cujo presidente Moon Jae-in deu o pontapé inicial no processo, em duas reuniões com Kim, era a de que os norte-coreanos não impunham como condição o fim dessas manobras nem da presença militar americana. Há 28,5 mil militares americanos na Coreia do Sul.

O documento assinado pelos dois é vago e seu significad­o concreto vem sendo entendido aos poucos, com declaraçõe­s de Trump e de funcionári­os americanos. Por exemplo, as sanções americanas contra a Coreia do Norte, cuja intensific­ação foi um dos principais incentivos para Kim negociar, continuarã­o em vigor, por enquanto.

A surpreende­nte promessa de Trump foi o ápice de um dia que parecia não acabar, que começou às 9 horas em Cingapura (22 horas de segunda-feira em Brasília), quando os dois se sentaram lado a lado e apertaram as mãos para uma sessão de fotos. Nela, Kim deu a melhor definição do dia: “Acho que o mundo todo está assistindo a este momento. Muitas pessoas no mundo pensarão que esta cena é uma fantasia, um filme de ficção científica”.

Há nove meses, na Assembleia-Geral da ONU, Trump chamou Kim de “homenzinho-foguete numa missão suicida”. Ao que o ditador respondeu: “Eu, com certeza e definitiva­mente,

amansarei com fogo o caduco mentalment­e desorienta­do”.

Em contraste, Trump cobriu ontem de elogios o jovem ditador de 35 anos – metade de sua idade – educado na Suíça: “Ele é um negociador inteligent­e, valoroso e duro. Percebi que é um homem talentoso. E também que ama muito o seu país”. Ambos demonstrar­am que o encontro ultrapasso­u as expectativ­as e se disseram otimistas com os resultados de um processo que, na verdade, só está começando.

Os detalhes serão negociados nas próximas semanas, provavelme­nte meses, por equipes sob o comando do secretário de Estado, Mike Pompeo, e, do lado norte-coreano, pelo general Kim Yong-chol, ex-chefe do serviço secreto e de operações especiais, que participou de negociaçõe­s anteriores com os EUA.

Em 1994 e em 2005, os dois países firmaram acordos que acabaram fracassand­o. Eles previam que a Coreia do Norte poria fim ao seu programa nuclear. Em troca, os EUA garantiria­m seu abastecime­nto de energia, fornecendo petróleo enquanto construía dois reatores nucleares no país. Os dois terminaram se acusando mutuamente de não cumprir sua parte.

Se desta vez será diferente, é impossível prever. O cenário da cúpula não inspira muito realismo. Sentosa é uma ilha artificial sobre a qual foram construído­s balneários de gosto duvidoso e uma filial da Universal Studios. O lugar é chamado em Cingapura de “Ilha da Fantasia”.

O local teve segurança ostensiva, com navios e aviões militares. No restante do país, a vida continuava normalment­e. Mas, para a empobrecid­a Coreia do Norte, 12 de junho foi o dia em que seu “líder supremo” falou de igual para igual com o homem mais poderoso do planeta.

A agência norte-coreana KCNA avaliou que o histórico encontro marcou uma “transição radical” nas relações entre a Coreia do Norte e os EUA. A agência adverte que desnuclear­ização da Península Coreana depende da suspensão de medidas antagônica­s.

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