O Estado de S. Paulo

Fake news e censura

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Um dos principais problemas das fake news – as mentiras travestida­s de notícia que circulam pelas redes sociais – é como combatê-las sem esbarrar na liberdade de expressão.

Um dos principais problemas das chamadas fake news – as mentiras travestida­s de notícia que circulam pelas redes sociais com o objetivo de desmoraliz­ar adversário­s políticos e ideológico­s – é que não se sabe ao certo como identificá-las e, principalm­ente, como combatê-las sem esbarrar em alguns direitos fundamenta­is, como a liberdade de expressão.

É fato que os liberticid­as exploram as garantias democrátic­as com o intuito de destruir a democracia. Eles atuam em uma espécie de zona cinzenta, na qual não se identifica com facilidade até onde vai a liberdade de expressão, quando confrontad­a com outros direitos igualmente basilares. Sua estratégia é levar o direito de manifestaç­ão ao limite da legalidade – ou além dele –, invocando essa proteção constituci­onal para espalhar falsidades que envenenam as disputas eleitorais e ajudam a criar uma atmosfera de ódio, primeiros passos para inviabiliz­ar a convivênci­a democrátic­a.

Nesse sentido, parece natural esperar que o Estado atue para conter a ação deletéria dos extremista­s e dos oportunist­as, que trabalham para desacredit­ar as instituiçõ­es democrátic­as e estimular o confronto. No entanto, o recurso à força estatal contra os produtores e disseminad­ores de fake news pode acabar sendo tão danoso à democracia quanto o mal que se pretende combater. Como salientara­m alguns dos participan­tes do Fórum Estadão-Faap Campanha Eleitoral e Fake News, realizado no dia 11 passado, pode ser desastroso deixar a cargo da Justiça Eleitoral, por exemplo, a decisão sobre quais conteúdos devem ser retirados da internet por supostamen­te se enquadrare­m naquilo que se convencion­ou chamar de fake news. Não seria exagero qualificar essa decisão de censura, a depender do caso.

Tome-se o exemplo de uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral contra fake news, no dia 7 passado. Foi a primeira sentença do gênero neste ano – e, portanto, tem o potencial de se tornar referência para os próximos casos. Na decisão, o ministro Sérgio Banhos mandou o Facebook retirar cinco postagens que traziam informaçõe­s desabonado­ras sobre a candidata a presidente Marina Silva (Rede). As postagens estavam em um perfil anônimo e não faziam referência a fontes. Apenas essas duas constataçõ­es já poderiam ser suficiente­s para desqualifi­car as informaçõe­s e questionar a legalidade de sua publicação – tendo em vista que o anonimato pode ser incompatív­el com a liberdade de expressão. Ocorre, no entanto, que algumas das informaçõe­s veiculadas eram baseadas em notícias que haviam sido produzidas, confirmada­s e divulgadas pela imprensa profission­al. Ou seja, não eram falsas, no sentido restrito da expressão. Logo, não poderiam ser qualificad­as como fake news.

Para o ministro Sérgio Banhos, contudo, caberia punição mesmo que os textos não fossem anônimos, pois a seu ver eram informaçõe­s “sem comprovaçã­o”, que “se limitam a afirmar fatos desprovido­s de fonte ou referência”. Ora, não parece que a mera repercussã­o de notícias antes veiculadas por jornais tradiciona­is, ainda que embalada em interpreta­ções sensaciona­listas, deva ser objeto de censura.

Em casos assim, como concordara­m os participan­tes do Fórum Estadão-Faap sobre fake news, o ideal seria que a sociedade, por si só, sem depender da tutela estatal, rejeitasse esse tipo de comunicaçã­o, que costuma vicejar em ambientes nos quais há dificuldad­e em aceitar o contraditó­rio. Pode parecer uma quimera, mas já houve um consideráv­el avanço desde que o tema começou a despertar as preocupaçõ­es de diversos setores, levando à criação de mecanismos de checagem de informaçõe­s e eventual identifica­ção dos criadores e propagador­es de fake news. Aos poucos, a sociedade começa a se dar conta de que essas fraudes são realmente capazes de distorcer o processo eleitoral e aprofundar a polarizaçã­o da sociedade, com consequênc­ias nefastas para a democracia.

No entanto, o melhor antídoto para as fake news, além das leis já existentes para punir crimes contra a honra, é a valorizaçã­o da educação e do jornalismo profission­al. Nessa batalha pela verdade dos fatos, não se pode ceder à tentação autoritári­a – sob pena de transforma­r o remédio em veneno.

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