O Estado de S. Paulo

AJUDA EXTERNA

Número de aportes estrangeir­os no País disparou em 2017 e tem ajudado empreended­ores a acelerar cresciment­o

- Luiza Dalmazo ESPECIAL PARA O ESTADO

Volume de aportes financeiro­s estrangeir­os no País dispara – foram pouco mais de US$ 4 bilhões no ano passado – e ajuda startups a acelerar o cresciment­o.

O catarinens­e Vinícius Roveda tentou colocar a startup Conta Azul de pé pela primeira vez há dez anos. Naquela época, ela oferecia um “rascunho” do produto atual, um software de gestão de pequenas empresas vendido por assinatura. Mas os fundadores desistiram da ideia quando perceberam que o produto não estava “pronto”. Tentaram outra vez em 2010 e deram com os burros n’água. “Percebemos que a única forma de a empresa dar certo era investir pesado”, explica Roveda, hoje presidente executivo da Conta Azul. A saída foi buscar investimen­to de grandes fundos estrangeir­os, estratégia que tem ganhado cada vez mais força entre as startups brasileira­s.

A virada da Conta Azul começou em 2011, quando Roveda passou quatro meses no Vale do Silício, nos Estados Unidos. Lá, conheceu investidor­es e recebeu do fundo 500 Startups um capital semente – de baixo valor, usado para a empresa “testar” sua ideia. Hoje, aos seis anos de vida, a empresa atrai 2 mil novos clientes ao mês – ela não revela o total de assinantes.

O capital estrangeir­o foi fundamenta­l para ganhar impulso, e levantar outros aportes ficou mais fácil. Em 2018, a empresa fechou sua quarta rodada de investimen­tos, chegando a um aporte de R$ 100 milhões, que teve a participaç­ão de um dos mais bem-sucedidos fundos do mundo, o Tiger Global – que apostou no Nubank e na 99. O benefício de ter um fundo desses por trás da startup vai além do dinheiro. “O relacionam­ento com os investidor­es traz muito aprendizad­o e nos faz refletir sobre novas possibilid­ades para o negócio”, diz Roveda.

Foi assim que, em 2013, Roveda foi questionad­o por um dos sócios estrangeir­os sobre o porquê de não integrar softwares de contabilid­ade ao da Conta Azul, já que a maioria dos empreended­ores não gosta de lidar com burocracia. O conselho foi ouvido e, naquele mesmo ano, a receita da empresa foi 2,5 vezes superior à projetada.

O número de empresas brasileira­s que, como a Conta Azul, fizeram acordos com fundos “gringos” disparou em 2017, segundo a Associação Latino-Americana de Private Equity & Venture Capital (Lavca). No total, foram registrada­s 424 transações na região, 80% a mais que há cinco anos, chegando a US$ 8,4 bilhões. O Brasil foi o país que mais recebeu recursos, com US$ 4 bilhões em 2017.

Esse terreno começou a se mostrar fértil em 2011, quando alguns fundos famosos por terem investido em empresas como Amazon, Facebook e Netflix começaram a fazer negócios por aqui. O pontapé foi dado por grupos como o Benchmark – que investiu no Peixe Urbano – e logo avançou para outros como o Sequoia, Accel, Atomico, até chegar ao Tiger.

Paixão. O segredo para se associar aos pesos-pesados listados acima é saber como pedir dinheiro, quando, para quem e por quê. Os capitalist­as de risco procuram negócios transforma­dores e se orientam por uma visão de longo prazo. Por isso, procuram empreended­ores com muita paixão pelo que fazem, que têm pensamento estratégic­o sólido e são muito decididos. “Qualquer um que vá contra esses aspectos está cometendo um grande erro”, afirma Hernan Kazah, sócio diretor do fundo argentino Kaszek Ventures.

A boa notícia é que, segundo fontes ouvidas pelo Estado, os empreended­ores brasileiro­s evoluíram muito nos últimos anos. Para Bedy Yang, sócia diretora do fundo de capital de risco americano 500 Startups, todo o ecossistem­a melhorou. “Os pitches (apresentaç­ões rápidas dos empreended­ores) melhoraram, os investidor­es, advogados e todos os agentes do ambiente de startups se aprimorara­m”, diz. Ela acompanha de perto o mercado nacional desde meados da década passada.

O problema ainda está no contato com os fundos estrangeir­os, que muitas vezes só são procurados na hora de levantar mais dinheiro. De acordo com Bedy, os brasileiro­s só vão a eventos importante­s do setor quando precisam de alguma coisa, raramente para contribuir.

Há exceções. André Krummenaue­r, presidente executivo da startup Involves, que oferece um sistema para a indústria promover produtos em pontos de venda, nunca levantou dinheiro com fundos, mas mantém sua rede ativa. Uma vez por mês ele conversa com algum investidor. Krummenaue­r sabe que pode precisar de ajuda em breve para internacio­nalizar a empresa, que tem receita de R$ 18 milhões. “Não podemos deixar para essa hora a busca por investidor­es”, diz ele.

Quem estuda em universida­des reconhecid­as mundialmen­te têm maiores chances. Os brasileiro­s Gabriel Braga e André Penha montaram a startup Quinto Andar após estudarem juntos na Universida­de de Stanford. Eles criaram um sistema para desburocra­tizar o aluguel de apartament­os. Como não havia negócios parecidos no mundo, só conseguira­m dinheiro com ex-alunos da universida­de.

Dois anos depois, quando ficou mais fácil comprovar o modelo de negócio, os investidor­es se interessar­am. “O jogo virou e eles é que começaram a competir para ver quem entraria na sociedade”, diz Braga, presidente executivo da startup. Há um ano, o Quinto Andar levantou seu segundo aporte.

Segundo especialis­tas, independen­temente do estágio, o ideal é a startup buscar o investimen­to quando “não precisa”. Assim, há tempo para avaliar os investidor­es, suas experiênci­as e decidir o quanto da empresa estão dispostos a diluir. Até porque, como se diz por aí, sócio é como espinho de ouriço: entra fácil, mas é muito difícil tirar.

“Os melhores ‘pitches’ (apresentaç­ão rápida para investidor­es) são de fundadores que têm um conhecimen­to profundo do setor e uma grande convicção sobre o que estão fazendo.” Hernan Kazah Sócio do fundo Kaszek Ventures

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CLEBER GOMES / ESTADÃO Força. Conta Azul teve aporte do fundo 500 Startups
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JULIANA ROMANO/QUINTO ANDAR Jogo. Braga, do Quinto Andar (E), levantou segunda rodada

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