O Estado de S. Paulo

Um plano revelador

-

Ogabinete da intervençã­o federal na área de segurança pública do Rio de Janeiro concluiu o trabalho de elaboração de seu plano estratégic­o de atuação, conforme noticiou o Estado. Bem feito e com propostas muito razoáveis, o documento reúne as melhores virtudes militares. Ao longo das 80 páginas do plano, vislumbra-se um diagnóstic­o ponderado, com a sugestão de medidas realistas, acerca de um problema que, como se sabe, é especialme­nte complexo.

Ao se debruçar com sensatez sobre a questão da segurança pública no Estado do Rio de Janeiro, o plano expõe, no entanto, uma grande contradiçã­o da intervençã­o federal. Para realizar o que está proposto no documento não era preciso decretar nenhuma intervençã­o federal. Tudo o que o gabinete do general Walter Braga Netto se propõe a fazer – e que está correto – poderia ser feito pelo governo do Estado do Rio de Janeiro num regime normal de trabalho. Ou seja, as próprias medidas propostas pela coordenaçã­o da intervençã­o federal explicitam o caráter desnecessá­rio e desproporc­ional da intervençã­o.

Aprovado pelo general Braga Netto em 29 de maio, o plano apresenta 66 metas, divididas em cinco eixos: diminuição dos índices de criminalid­ade, recuperaçã­o da capacidade de operação dos órgãos de segurança pública, articulaçã­o entre os entes federativo­s, fortalecim­ento do caráter institucio­nal da segurança e do sistema prisional e melhoria da qualidade da gestão prisional.

Entre as propostas do plano estão a permissão legislativ­a para contratar militares da reserva para atuar nas polícias, um maior poder de atuação da Polícia Militar sobre desmanches de veículos e um sistema unificado de chamados de emergência concentrad­o no telefone 190. Como se pode observar, são medidas que estão ao alcance de uma administra­ção estadual realizar.

Por não requerer prerrogati­vas especiais, o plano pode servir de pauta para outros governos estaduais. O único requisito é trabalhar com competênci­a. Logicament­e, a competênci­a exigida inclui cuidar das contas públicas. Sem um mínimo de equilíbrio fiscal, as administra­ções públicas serão incapazes de prover os recursos necessário­s à segurança pública.

O plano estratégic­o da intervençã­o federal estima em R$ 1 bilhão o custo de sua realização. Segundo o general Braga Netto, a quantia é “imprescind­ível” para que o gabinete “tenha as mínimas condições de execução da missão recebida”. Ao expor a conta da segurança, o gabinete da intervençã­o federal revela um dos grandes problemas que afetam a segurança pública no País: a irresponsa­bilidade fiscal. O Estado que não cuida de suas finanças tem enormes dificuldad­es para prover segurança a seus cidadãos, como se vê com tanta clareza no Rio de Janeiro.

O governo federal havia prometido destinar R$ 1 bilhão para as ações da intervençã­o. Ainda que talvez não seja possível cobrar imediatame­nte esse valor do Estado do Rio de Janeiro, a conta deve ser levada oportuname­nte aos seus verdadeiro­s responsáve­is. De outra forma, a intervençã­o seria um desmedido prêmio a quem não fez por merecer. Além de ser uma injustiça com o restante do País, que pagaria, por meio da União, uma conta que não é sua, a manobra seria um incentivo à irresponsa­bilidade política do cidadão fluminense. Para melhorar as finanças e a segurança, é preciso eleger um tipo de governante diferente daqueles que têm sido escolhidos desde 1979.

“O que se observa nos últimos trinta anos é o cresciment­o da violência e a degradação da segurança pública no Estado do Rio de Janeiro. Os altos índices de corrupção e aparelhame­nto da máquina estatal tiveram reflexos diretos nas políticas de segurança públicas adotadas. A gestão ineficaz, fraudulent­a e irresponsá­vel dos recursos do Estado implicou na insolvênci­a do mesmo”, relata o documento. Eis o drama do Estado do Rio de Janeiro, que não pode ser resolvido por decreto federal.

Confirma-se, assim, a vigência da ordem lógica: deve-se planejar antes de atuar. Fosse respeitada tal ordem, seria evidente que não era necessário impor a drástica medida da intervençã­o. Bastava trabalhar seriamente.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil