O Estado de S. Paulo

África do Sul deixou programa nuclear bem mais modesto

- Adam Taylor / THE WASHINGTON POST É JORNALISTA

Pouco antes do início da cúpula entre o presidente americano, Donald Trump, e o líder norte-coreano, Kim Jong-un, em Cingapura, o Wall Street Journal afirmou que autoridade­s americanas têm discutido o modelo de desnuclear­ização da África do Sul, no fim da Guerra Fria, como um exemplo de como a Coreia do Norte pode abandonar as próprias armas. É uma ideia interessan­te, mas com severas limitações.

A África do Sul abandonou seu programa de armas nucleares um pouco depois de o presidente Frederik de Klerk assumir, em 1989, alguns anos antes do fim do apartheid e de a minoria branca deixar de governar o país. Até hoje, a África do Sul é o único exemplo de país que desistiu voluntaria­mente das armas poderosas que havia desenvolvi­do.

Existem alguns elementos do modelo sulafrican­o que parecem atraentes. De Klerk disse, em entrevista à revista americana Atlantic, em setembro, que “a lição do que se aprendeu na África do Sul, em um contexto mais amplo que o das armas nucleares, é que apenas por meio de negociaçõe­s – se somente os oponentes conversare­m entre si – a paz pode ser alcançada”.

No entanto, existem diferenças reais entre o modelo sul-africano e qualquer futura desnuclear­ização norte-coreana. A África do Sul abandonou seis armas nucleares. As agências de inteligênc­ia dos EUA estimam que a Coreia do Norte possua até 60 ogivas nucleares e uma quantidade consideráv­el de tecnologia relacionad­a. “Dado o tamanho e o alcance dos mísseis e do programa nuclear da Coreia do Norte, o desmantela­mento excederá todos os precedente­s passados”, explicou a diretora de política de não proliferaç­ão da Associação de Controle de Armas, Kelsey Davenport.

Existem grandes diferenças de motivação nos dois casos, tanto quanto ao desejo de ambos de adquirir armas nucleares, como ao desejo de se livrar delas. A África do Sul havia procurado armas no auge da Guerra Fria. De Klerk disse que o país esperava utilizar o conhecimen­to como um alerta para a União Soviética, que estava apoiando movimentos de libertação na África na época. Com o fim da Guerra Fria, a África do Sul enfrentou um universo político totalmente diferente – não apenas internacio­nalmente, mas também internamen­te, já que estava claro que o modelo de apartheid não sobreviver­ia. De Klerk decidiu pela desnuclear­ização de forma unilateral, e em segredo, com pouca interferên­cia externa.

Já na Coreia do Norte, a dinastia de Kim começou sua busca por armas nucleares depois do colapso da União Soviética, que deixou o país sem um grande aliado em meio às tensões não resolvidas com os EUA e com a Coreia do Sul. Suas armas nucleares são uma moeda de barganha útil para sua atual situação geopolític­a, e há pouca preocupaçã­o com a queda delas em um governo sucessor.

“Não há motivação suficiente para Kim Jong-un”, diz Alexandra Bell, diretora das políticas do Centro de Controle de Armas e Não Proliferaç­ão, especialis­ta em controle de armas do Departamen­to de Estado dos EUA durante o governo de Barack Obama. “Sua família investiu décadas na criação de um arsenal nuclear norte-coreano. Ele não vai desistir facilmente e, certamente, não sem grandes garantias econômicas.”

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