O Estado de S. Paulo

Reunião pode fragilizar alianças americanas na Ásia.

Para analistas, resultado da cúpula entre Trump e Kim pode desfazer arquitetur­a de segurança estabeleci­da na região nos últimos anos

- Cláudia Trevisan CORRESPOND­ENTE / WASHINGTON

O resultado da cúpula entre Donald Trump e Kim Jongun pode afetar as alianças tradiciona­is dos EUA na Ásia e fragilizar a arquitetur­a de segurança que prevaleceu na região nas últimas décadas, avaliam analistas. Além disso, declaraçõe­s do presidente americano minam a política de “máxima pressão” sobre a Coreia do Norte e abrem a porta para China e Rússia relaxarem sanções sobre o país.

Há quase um consenso entre especialis­tas de que Trump fez concessões unilaterai­s e excessivas à Coreia do Norte, sem receber em troca compromiss­os específico­s sobre a redução de seu arsenal nuclear. Na entrevista após o encontro, o americano anunciou que suspenderá os exercícios militares com a Coreia do Sul, uma antiga demanda de Pyongyang que não estava na declaração que ele e Kim assinaram. Trump também levantou a possibilid­ade de retirar os quase 80 mil soldados que estão no Japão e na Coreia do Sul.

“Que o governo tenha concordado em suspender os exercícios militares EUA-Coreia do Sul, aparenteme­nte sem informar Seul ou ter qualquer coisa significat­iva em retorno, poderá

erodir a confiança de nossos aliados e de emergentes parceiros de segurança na Ásia”, observou Jonathan Stromseth, do Centro John L. Thornton, do Brookings Institutio­n.

Além da Coreia do Norte, o grande beneficiár­io da decisão é a China, afirmou Ryan Hass, do mesmo centro de estudos. “A China gostaria de ver a redução das forças militares no nordeste da Ásia e o aumento da distância entre EUA e seus aliados. Pequim está no caminho de conseguir esses objetivos com baixo custo.”

Richard Haas, presidente do Council on Foreign Relations, escreveu no Twitter que Trump foi infeliz ao se referir aos exercícios militares como uma “provocação”, mesmo termo usado pelo regime da Coreia do Norte. “Também é perturbado­r que ele tenha falado em retirar tropas dos EUA sem referência à redução da ameaça militar convencion­al da Coreia do Norte.”

Na mesma entrevista, Trump mostrou tolerância com o fato de a China ter reduzido o controle sobre o comércio na fronteira com a Coreia do Norte, o que foi interpreta­do por analistas como a abertura de uma fresta na política de sanções impostas no ano passado. Os EUA podem manter suas barreiras, mas isso não fará muita diferença se a China, que responde por 90% do comércio da Coreia do Norte, voltar a negociar com o país.

O principal objetivo de Kim era obter legitimida­de internacio­nal e ser tratado da mesma maneira que o presidente da maior potência global. Trump foi além do protocolo e repetiu elogios ao ditador, que é acusado de uma série de violações de direitos humanos. “Ele é um cara engraçado, muito inteligent­e e um grande negociador”, disse o presidente.

Antes de embarcar para Cingapura, Trump havia abalado as relações com o Canadá, ao chamar o primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, de “desonesto” e “fraco”. O ataque foi uma reação à declaração do premiê de que as tarifas sobre aço impostas pelos EUA eram “insultante­s” por serem justificad­as pela necessidad­e de defesa da segurança nacional. Vizinhos, os dois países têm um longo histórico de cooperação militar.

Mesmo com as limitações da cúpula, a situação atual é melhor que em 2017, quando os EUA ameaçaram atacar a Coreia do Norte. O sucesso de Trump, porém, só será conhecido em um futuro indefinido, quando o compromiss­o com a desnuclear­ização for testado na prática, observaram Victor Cha e Sue Mi Terry, do Center for Strategic & Internacio­nal Studies. “Até que inspetores da Agência Internacio­nal de Energia Atômica estejam de volta à Coreia do Norte, suspendend­o operações, vedando edifícios e instalando câmeras de monitorame­nto, a cúpula terá nos tirado do caminho da crise, mas não terá nos deixado necessaria­mente mais seguros.”

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