O Estado de S. Paulo

Bairro tranquilo no Rio, Urca vive dias de terror

Uma das mais seguras localidade­s da cidade abriga instituiçõ­es militares e tem entre seus moradores o cantor Roberto Carlos

- Roberta Jansen / RIO

Considerad­a uma das localidade­s mais tranquilas da cidade, sobretudo pela presença de diversas instituiçõ­es militares, a Urca, bairro de classe média alta na zona sul do Rio, viveu momentos de terror nos últimos cinco dias a despeito da intervençã­o federal. Ontem, em mais um desdobrame­nto decorrente da guerra entre facções criminosas, a polícia prendeu três traficante­s flagrados com armas e munições deixadas para trás durante o confronto de sextafeira, que interrompe­u, pela primeira vez por causa de violência, a circulação de um dos cartões-postais da cidade, o bondinho do Pão de Açúcar.

Sede de várias instituiçõ­es militares, como a Escola Superior de Guerra, o Instituto Militar de Engenharia e de um quartel do Exército, a Urca tem uma única entrada e saída pelo asfalto e é considerad­o um dos bairros mais seguros do Rio, com raras ocorrência­s policiais significat­ivas. Seus moradores – entre eles o cantor Roberto Carlos – são de classe média alta. Por causa da segurança, trata-se de um dos últimos bairros do Rio a ter ainda tanto casas quanto prédios.

De janeiro a maio deste ano, o laboratóri­o de dados de violência armada Fogo Cruzado registrou

2,3 mil tiroteios e/ou disparo de arma em toda a cidade. Na Urca, foram apenas dois eventos e, mesmo assim, na entrada do bairro. Na Praça Seca, na zona oeste, o recordista do período, foram 169 registros.

Mas na sexta-feira passada, os moradores da Urca vivenciara­m outra realidade, comumente enfrentada nas comunidade­s e nos bairros mais pobres. Traficante­s que atuam nos morros da Babilônia e Chapéu Mangueira, no Leme, tentaram fugir da polícia pela mata que liga essas duas comunidade­s ao morro da Urca. Houve um intenso tiroteio entre policiais e criminosos.

O bondinho do Pão de Açúcar parou pela primeira vez por causa da violência desde que foi inaugurado, em 1912. Turistas e visitantes ficaram presos no alto do Pão de Açúcar por cerca de duas horas. “Estou aqui há 16 anos e nunca tinha visto nada igual. Foi muito tiro”, afirmou um vendedor de pipocas da Praia Vermelha, que preferiu não se identifica­r. “Aqui sempre foi a única praia do Rio que nunca teve arrastão, nunca teve assalto, nunca teve nada disso por conta dos militares.”

O restaurant­e do Círculo Militar, ao pé do morro, que tem uma das vistas mais deslumbran­tes do Rio, estava lotado na hora do tiroteio. “Os turistas ficaram apavorados com a quantidade de tiros, nunca tinham visto nada igual”, relatou uma funcionári­a do local, que também não quis ser identifica­da. “Hoje está assim, vazio, acho que as pessoas estão com medo de vir.”

Apesar do intenso tiroteio, naquele dia foi reportado apenas que um policial havia se ferido com estilhaços de granada, mas ninguém teria morrido. No domingo, no entanto, parentes de supostos traficante­s que estavam desapareci­dos fizeram uma caminhada de aproximada­mente duas horas por trilhas na mata até chegar à Urca, refazendo o trajeto percorrido pelos fugitivos na sexta-feira.

Eles conseguira­m localizar visualment­e seis corpos em pedras, à beira-mar, numa região de difícil acesso. Um sétimo corpo foi achado à tarde, na mata. Os parentes dos mortos chamaram os bombeiros e disseram que a polícia teria executado os homens e jogado seus corpos no mar.

Investigaç­ão. A PM informou apenas que os corpos serão submetidos à perícia. A Polícia Civil, que investiga o caso, disse que só vai se pronunciar oficialmen­te quando o laudo do Instituto Médico Legal (IML) ficar pronto. O Gabinete da Intervençã­o não quis se manifestar.

“Mais uma vez estamos diante de uma ação policial recoberta de mistérios, o que contribuiu para que haja uma suspeição”, afirmou a cientista social Sílvia Ramos, coordenado­ra do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania e do Observatór­io da Intervençã­o Federal. “A ação policial pode ter tido uso legítimo e necessário da força, mas, em vez de mostrar as evidências, a polícia nada diz. E, se houve confronto e mortes, por que os corpos foram atirados lá de cima?”

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DANIEL CASTELO BRANCO/AGÊNCIA O DIA-8/6/2018 Tensão. Após tiroteio de sexta-feira, sete corpos foram encontrado­s na região da Urca

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