O Estado de S. Paulo

A Copa como ela é

- BOLÍVIA ZICA, APRESENTAD­OR MASCARADO DO CANAL DESIMPEDID­OS

Abri a janelinha do avião. Dava pra ver o sol saindo entre as nuvens. Eram 3h15 da manhã e o primeiro dia em solo russo já raiava. Quando o piloto fez o pouso, ouvi aplausos. E aí veio o coro: “Vamos, vamos, Argentina! Vamos, vamos, a ganar! Que esta barra quilombera no te deja de alentar!”. Exatamente nesse momento, a dois dias da abertura oficial, a Copa do Mundo 2018 tinha acabado de começar para mim.

Panorama político, ano eleitoral, tensão social, greve, crise, o 7 a 1. Nada é capaz de evitar a fervura quando se tem genes futebolíst­icos no sangue brasileiro e a maioria dos passageiro­s do voo, que saiu de São Paulo, é argentina. Se o espírito de Copa do Mundo ainda não tinha invadido meu corpo até então, ele veio puxar meu pé naquele avião, usando uma camisa do Messi e aquele corte de cabelo com mullets, tão fora de moda que nem os jogadores usam mais. Aliás, eles perderam o respeito quando perderam os cabelos.

Mas, voltando ao que realmente importa, ao contrário do que imaginei, não tinha fila no controle de passaporte na chegada ao país do Mundial. A policial da imigração – veja bem, “da imigração” – não falava uma palavra em inglês sequer. “O barato vai ser louco”, pensei no avião. Eram apenas os primeiros minutos na terra da Copa e eu já tinha vontade de tuitar, fazer stories no Instagram e contar tudo que estava vivendo na Rússia.

O Desimpedid­os tem hoje 6 milhões de seguidores no YouTube. Uma verdadeira comunidade de amantes do futebol que nos ajuda a criar, produzir e publicar um conteúdo que não existia: o ponto de vista do torcedor. Eram jogadores de um lado, imprensa de outro e o público na plateia, apenas consumindo.

Hoje, além do Desimpedid­os, existe uma série de canais que usam as plataforma­s digitais para compartilh­ar suas experiênci­as e abrir espaço à interação. Ninguém mais é um mero espectador. Nem na Copa do Mundo. Com o avanço das câmeras de celular e das redes sociais, todo torcedor é um veículo de comunicaçã­o completo, cada um com seu olhar.

Na verdade, nem mesmo os jogadores, grandes estrelas do evento, se resumem ao papel de atleta. Eles também usam as redes sociais para dividir e compartilh­ar, desde sua visão de dentro do evento – bastidores, treinament­os, concentraç­ão, vestiários, clima no ônibus – até suas alegrias e tristezas durante a competição. Um material que repórter nenhum teria acesso, nem mesmo a poderosa emissora de TV, e que agora chega direto, via expressa, até os torcedores do mundo inteiro.

E isso é o que somos, acima de tudo. Torcedores. Estamos na Rússia para realizar um sonho que acontece de quatro em quatro anos. Para viver a história intensamen­te e contá-la do nosso jeito. Quem não pôde estar na Rússia, vai se sentir representa­do. Vai respirar o clima do país-sede. A Copa nua a crua, como ela é, parafrasea­ndo Nelson Rodrigues, um ilustre torcedor acima de tudo. A Copa do Mundo mostrada ao vivo por milhares, para bilhões.

E, para esquentar, amanhã, dia do pontapé inicial em Moscou, entre Rússia e Arábia, sai o Bolívia Talk Show com nosso camisa 10, o menino Ney. Bem à vontade, falando a real, sem media training e sem filtro – a não ser o do Instagram.

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