Técnico, sim. Messias, não.
Repare nas entrevistas de Tite, das rotineiras coletivas a descontraídos batepapos, e vai notar que costuma olhar fixo nos olhos do interlocutor (Se bem que, vez ou outra, parece mirar o infinito, como na foto ao lado). Com voz firme e pausada, com frequência so-le-tra as pa-la-vras pa-ra des-tacar o ra-ci-o-cí-ni-o e não deixar dúvida a respeito do que pensa. De quebra, tem o tom e o ritmo de um missionário, sempre pronto a catequizar plateias. Sujeito bacana, mas tem hora que soa um tantinho enfadonho.
Enfim, quando menos se espera, o professor responsável pela seleção assume papel de Messias. Mesmo sem querer, mas parece o salvador da pátria, aquele que traz a Verdade. Não raro, dessa maneira que o enxergam torcedores dos times sob seu comando. Engano. Em vez disso, trata-se de um treinador – competente e confiável, mas técnico. Profissional do futebol.
Dessa maneira racional, e respeitosa, tem de ser encarado, no desafio de fazer com que a equipe nacional brilhe, no Mundial com pontapé inicial marcado para amanhã. Tite pegou o boi amarelo pelos chifres, dois anos atrás, num momento em que parecia descontrolado e com risco de provocar estrago maior do que os 7 a 1. A hecatombe viria na desclassificação inédita para uma Copa, inconcebível para mortais.
Com serenidade e eficiência, cercado por colaboradores de primeira linha, aprumou o time, obteve a vaga nas Eliminatórias com pé nas costas, recuperou respeito abalado pelo fiasco no Mundial em casa. O jogo prático dos rapazes e a imagem limpa dele até desviaram o foco voltado para o desprestigiado ex-presidente da CBF, que aliás verá o torneio pela tevê e no merecido esquecimento. Tite tem, hoje, grupo de atletas em condições de fazer bonito na terra dos czares, ou se preferir de Tolstoi e Dostoievski.
Porém, não se deve perder de vista que falamos de um Homem, com muitas virtudes e diversos defeitos. Não ser superior, semideus ou iluminado pelo Altíssimo – ao menos não mais do que eu, você e todo filho de Deus. Tite tem convicções, e delas tira bom proveito e conquistas. Também carrega medos, incertezas, quem sabe alguns fantasmas o assustam, como a todos nós. Resumo da ópera: não precisa temer erros. Estes podem ocorrer; só torço que não signifiquem fiasco. (Algo me diz que, desta vez, não darão o ar da desgraça.)
Não há necessidade do culto excessivo à personalidade, algo que marcou certos líderes da falecida União Soviética e que se manifesta por lá nos dias atuais... No caso do futebol, a opção ao culto pessoal rende elogios e reverência, se vier acompanhada do troféu. Caso contrário, pode danificar a imagem simpática construída em tantos anos de suor e estrada. Torcedor é tão pródigo em espinafrar como em adular.
Risco que correram Feola, Zagallo, Felipão, Parreira ao assumirem a seleção depois de ganharem o Mundial. O público não os execrou – tampouco o fez com Telê Santana em duas tentativas frustradas. No entanto, eles deixaram de atrair consenso. Tiveram até de ficar um tanto à sombra, quase num desterro. Ônus mais caro pagaram Sebastião Lazaroni e Dunga, com carreiras que não decolaram após decepções.
O falecido capitão Cláudio Coutinho batalhou um bocado para livrar-se da pecha de inventor que lhe foi pregada pelo linguajar “exótico” em 78, era de overlaping, ponto futuro, etc. Até à morte prematura, suportou ironias por ter falado, na volta da Argentina, que encarava o Brasil como “campeão moral” daquele Mundial. Anos mais tarde, subia na profissão, à frente do Fla, e teve trajetória truncada por acidente.
O volume de informação, o excesso de espaço, o apelo à audiência em todas as plataformas, tão comuns em períodos como este, são uma tentação para exageros. De repente, há necessidade de criar heróis, de engrandecer as proezas dos rapazes. Que assim seja, desde que de fato o mereçam. O mesmo vale para Tite, o arquiteto da empreitada, não o Messias aguardado pelo rebanho. Assim é melhor – para ele e nosso futebol.