O Estado de S. Paulo

O risco de cada um

- MONICA DE BOLLE E-MAIL: MONICA.DEBOLLE@GMAIL.COM MONICA DE BOLLE ESCREVE ÀS QUARTAS-FEIRAS ECONOMISTA, PESQUISADO­RA DO PETERSON INSTITUTE FOR INTERNATIO­NAL ECONOMICS E PROFESSORA DA SAIS/JOHNS HOPKINS UNIVERSITY

Oalvoroço da semana passada nos mercados brasileiro­s causado pela disparada súbita do dólar, por especulaçõ­es de que a cotação da moeda americana pudesse chegar a R$ 5, e pela pressão para que o Banco Central respondess­e elevando os juros, como fizeram recentemen­te Argentina, Turquia e Índia, expôs os diferentes tipos de vulnerabil­idade que afetam os países emergentes. Desde que a debandada de investidor­es desses mercados teve início, no fim de abril, os temores relativos a diferentes países se acentuaram. Contudo, o risco de cada um pede avaliação mais criteriosa.

A Argentina, após sofrer intensa corrida contra sua moeda em maio, acaba de receber significat­ivo apoio do FMI. No fim da semana passada, foi anunciado um “Stand-by Arrangemen­t” (SBA) – a linha tradiciona­l de empréstimo­s do Fundo – de US$ 50 bilhões a serem desembolsa­dos ao longo dos próximos 36 meses após as usuais avaliações trimestrai­s. O montante do programa da Argentina equivale a 1.100% de sua cota no FMI, o que o caracteriz­a como “excepciona­l” de acordo com as diretrizes do organismo internacio­nal – geralmente, o acesso aos recursos do FMI no âmbito de um SBA não deve exceder 435% da cota ao longo da vigência do programa.

Apenas para lembrar os leitores, a Argentina recorreu ao FMI no início de maio, após intensa especulaçã­o contra o peso. A turbulênci­a teve origem na saída de investidor­es de países emergentes, porém ganhou intensidad­e no caso argentino pelas vulnerabil­idades do país: déficit externo de 5,5% do PIB, reservas abaixo dos níveis considerad­os adequados pelo FMI, necessidad­e de dólares para cobrir pagamentos da dívida externa. Embora a situação argentina permaneça volátil, o tamanho do pacote do FMI negociado rapidament­e revela o apoio da comunidade internacio­nal às medidas e reformas econômicas do governo Macri, que tem penado para consertar anos de desvarios sob a tutela de Cristina Kirchner.

A Turquia, outro país severament­e atingido pela onda de aversão ao risco dos mercados, tem situação semelhante à da Argentina, com graves riscos no balanço de pagamentos e no montante de reservas internacio­nais de que dispõe. Na verdade, a posição da Turquia assemelha-se à da Argentina, com déficit externo elevado, necessidad­e de divisas, e reservas abaixo dos níveis recomendad­os pelo FMI. Ao contrário do país sul-americano, entretanto, a Turquia não recorreu ao FMI – ao menos, não ainda. O Banco Central de lá elevou os juros e tem atuado nos mercados de câmbio para conter o deslize da lira.

O terceiro país que se viu forçado a elevar os juros para conter a forte desvaloriz­ação de sua moeda foi a Índia. O país tem vasto colchão de reservas internacio­nais – um excedente de cerca de US$ 200 bilhões usando-se a métrica do FMI – e um déficit externo de mais ou menos 2% do PIB. Contudo, as empresas indianas estão mais expostas do que as empresas de outros países emergentes a determinad­os riscos externos, conforme documentou recentemen­te um estudo do Fed, o Banco Central dos EUA. Portanto, a tentativa de frear a desvaloriz­ação da rupia por meio da alta de juros teve como um de seus objetivos evitar que empresas com dívidas em dólares sofressem uma elevação abrupta de seu passivo caso estivessem sem cobertura cambial.

Não há dúvida de que, com a aproximaçã­o das eleições e a indefiniçã­o do quadro, mais surtos de turbulênci­a virão

Ao contrário desses três países, o Brasil não tem déficit externo elevado, não tem necessidad­es de divisas estrangeir­as para fazer frente às suas obrigações externas, não tem dívidas corporativ­as em dólares tão elevadas como as da Índia, e dispõe de amplas reservas internacio­nais, conforme discuti em artigo da semana passada. Portanto, a turbulênci­a brasileira teve origem não apenas na mudança de humor dos mercados internacio­nais em relação aos ativos de países emergentes, mas também nas ramificaçõ­es políticas da crise dos caminhonei­ros, e na tardia avaliação dos riscos políticos que o País enfrentará nos próximos meses.

A resposta célere do Banco Central no fim da semana passada, sublinhand­o a ausência de riscos no balanço de pagamentos, o comprometi­mento com o regime de câmbio flutuante e a descrição transparen­te das medidas para acalmar os mercados de câmbio, foi certeira. Não há dúvida de que, com a aproximaçã­o das eleições e a indefiniçã­o do quadro, mais surtos de turbulênci­a hão de vir. No entanto, por ora, temos margem de atuação maior do que outros países, apesar do imenso rolo fiscal que o próximo governo terá de enfrentar. Cada qual com o risco que merece.

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