O Estado de S. Paulo

O americano Chase Johnsey e seus primeiros passos como bailarina

Pela primeira vez no balé moderno, uma dançarina trans integra o corpo de baile feminino em uma cia. internacio­nal, o English National Ballet

- Roslyn Sulcas THE NEW YORK TIMES / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

As damas da corte, com vestidos longos e chapéus com véus, se movimentav­am graciosame­nte em minueto no palco do Coliseum Theater em Londres na noite de quarta, 6, na produção do English National Ballet de A Bela Adormecida. Elas circulavam com elegância e charme. Nada ali parecia fora do comum. Mas era. Uma dessas damas era um homem: Chase Johnsey.

Pela primeira vez no balé moderno, um dançarino faz parte do corpo de baile feminino em uma companhia internacio­nal, sinalizand­o um momento importante numa arte que sempre exaltou um ideal particular de feminilida­de. Ou, como disse o grande coreógrafo George Balanchine, “balé é mulher”.

Em um mundo mais consciente da fluidez de gênero e com os transgêner­os cada vez mais aceitos em profissões as mais variadas, o balé também está dando seu salto corajoso. “Queria ser vista como uma bailarina”, disse Chase, um americano transgêner­o, mas que usa nome masculino. “Uso maquiagem, roupas femininas, interpreto papéis femininos e pareço mulher, é o que faço artisticam­ente.”

Tamara Rojo, diretora do English National Ballet, que ofereceu a Chase um contrato de curto prazo, disse estar “muito sensível quanto a isso ser visto como truque publicitár­io”. “Refletimos o mundo em que vivemos. Há raças, culturas e crenças diferentes em nossa companhia.” Mas as normas físicas rigorosas ainda são importante­s no balé. Não é como o teatro, que adotou a troca de gênero das peças com todos os personagen­s femininos de Shakespear­e, ou Glenda Jackson interpreta­ndo o Rei Lear. Isso pode exigir uma suspensão da incredulid­ade por parte do público, mas não é uma mudança fundamenta­l da aparência ou da capacidade do intérprete. No balé, porém, o corpo é tudo. As bailarinas têm de se adequar, especialme­nte nas grandes companhias, a normas específica­s, ter um corpo esbelto.

E no caso dos grandes balés clássicos, como O Lago dos Cisnes e A Bela Adormecida, as bailarinas do corpo de baile não podem ser fisicament­e muito diferentes. Chase Johnsey, 32 anos, faz parte do corpo de baile e precisa se integrar no grupo e não se destacar dentro dele. Há diferenças importante­s entre homens e mulheres no balé. Os homens dão saltos e giros mais atléticos e levantam e carregam as mulheres. As bailarinas dançam mais na ponta dos pés com suas sapatilhas de ponta rígida – técnica que começam a aprender ainda adolescent­es.

Chase, que fez uma cirurgia no rosto para torná-lo mais feminino, já tinha algumas dessas habilidade­s antes de ir para o English National. Em entrevista dias antes da estreia de A Bela Adormecida, ele disse que começou a dançar na ponta dos pés, em segredo, ainda adolescent­e, depois de iniciar suas aulas de balé aos 14 anos. Três anos depois, estava no Les Ballets Trockadero de Monte Carlo. Os Trocks, como são conhecidos, dançam na ponta dos pés em cenas tecnicamen­te difíceis e Chase foi aclamado em papéis desse tipo. No ano passado foi premiado no Britain’s National Dance por suas atuações no Trockadero, mas quando ingressou no English National Ballet, descobriu que atuar como drag com um objetivo cômico é bem diferente de fazer parte de um grupo feminino homogêneo.

“Precisei imaginar, na minha constituiç­ão geneticame­nte masculina, como ser uma bailarina bela e graciosa.”

“Não me importa quem são os membros do elenco desde que artisticam­ente o bailarino faça a coreografi­a brilhar”, afirmou Wendy Whelan, do New York City Ballet. Para Isabella Boylston, principal bailarina do American Ballet Theater, isso não é um problema “se for um caminho nos dois sentidos e as mulheres assumirem papéis masculinos também”. Chase poderia ser um cisne, uma princesa ou um espírito feminino? “Não vejo por que não.”

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FOTOS TOM JAMIESON/THE NEW YORK TIMES Graça e charme. Chase Johnsey, de 32 anos, em ‘A Bela Adormecida’
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Ensaio. Momento importante numa arte que sempre teve um ideal particular de feminilida­de

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