O Estado de S. Paulo

Sem caminhões, soja lota silos em Goiás

No município de Cristalina, produção aguarda transporte para portos do Sudeste enquanto preço do frete permanece indefinido

- André Borges ENVIADO ESPECIAL A CRISTALINA (GO)

Dentro de um galpão de armazename­nto de grãos em Cristalina (GO), a 120 quilômetro­s de Brasília, cerca de 370 mil sacas de soja aguardam, sem previsão, a chegada dos 700 caminhões que levarão a produção até os portos do Sudeste. A espera se repete nas dezenas de silos que se espalham pelo município, onde a sensação é de que a greve dos caminhonei­ros não acabou. As carretas estão à disposição, mas não há quem se disponha a contratar o serviço, nem data para que isso ocorra.

O acordo que o governo firmou com os caminhonei­ros para acabar com paralisaçã­o de 11 dias que provocou uma crise de abastecime­nto no País pode ter minimizado parte da crise, mas alimentou outra. Entre os produtores rurais, o clima é de indignação. Ninguém quer pagar pelo tabelament­o do preço mínimo do frete.

As tradings de grãos, que compram a produção das fazendas e transporta­m a produção até os portos, já compraram tudo o que está nos estoques, mas com base nos valores antigos do frete. Agora, com a indefiniçã­o dos preços, essas empresas se negam a retirar a produção para não terem prejuízos. Sob pressão, o governo já editou duas versões da tabela. A primeira atendeu aos caminhonei­ros, mas revoltou o agronegóci­o, que fala em aumentos de até 150% nos preços. A segunda procurou aliviar o custo dos produtores, mas contrariou os caminhonei­ros. O governo a revogou. Uma terceira versão está em discussão desde o fim da semana passada.

“Elas preferem pagar o produtor para estender o tempo de estoque da produção nos galpões do que bancar o que os caminhonei­ros estão pedindo”, diz o produtor rural Alécio Maróstica. “O resultado é que todo o setor está parado, com galpões abarrotado­s e sem previsão de retirada dessa produção. Viramos reféns de uma situação absurda.”

Nas fazendas e centros de produção, cada dia é uma agonia. O que agora tira o sono dos produtores é o início da safrinha de milho, que começa daqui a uma semana, no dia 20 de junho. “Estamos sem saber o que fazer. Daqui a uma semana começa a chegar a safrinha do milho. Se essa produção de hoje não sair, não teremos onde por mais nada. Vai travar tudo de uma vez”, afirma Emilton Kennedy.

Nos dias de paralisaçõ­es dos caminhonei­ros, o produtor rural Luiz Carlos Figueiredo entrou em desespero, depois de perder 30 mil litros de leite por dia. Hoje, vive o drama de não ter onde colocar a safrinha do milho. “Tivemos que jogar todo o leite na terra. Irrigamos a plantação com o leite perdido. Perdemos ainda 20 caminhões com milhares de caixas de ovos. Foi R$ 1 milhão de prejuízo”, diz ele. “Agora, estou com 70% da produção de soja trancada no armazém, porque ninguém consegue fechar o preço do frete.”

Perecíveis. O drama logístico não afeta só a colheita de soja e milho. Em Cristalina, boa parte da produção de 2,5 milhões de toneladas por ano está atrelada ao plantio de batata, cenoura, alho, cebola e tomate, uma cesta de 50 tipos de produtos.

Nessa lista de perecíveis, a maioria não pode ficar sequer uma semana em estoque. Depois de sair da terra, é um dia para ser beneficiad­a e ir direto para o caminhão e seu destino final.

“Além de sentir esse preço do frete, que não se define, meu produto está desvaloriz­ado agora, porque ficamos 20 dias sem entregar e agora há muita oferta no mercado”, diz João Gruber, que produz batatas em uma área de 680 hectares de Cristalina. “Depois de o nosso preço explodir nos dias da greve, agora caiu absurdamen­te. É uma situação insustentá­vel, porque meu produto não pode esperar. Ele tem que sair, mesmo se for com prejuízo.”

 ?? DIDA SAMPAIO/ESTADÃO - 13/6/2018 ?? Disputa. O produtor rural Alécio Maróstica em seu galpão lotado de soja: ‘Todo o setor está parado. Viramos reféns de uma situação absurda’
DIDA SAMPAIO/ESTADÃO - 13/6/2018 Disputa. O produtor rural Alécio Maróstica em seu galpão lotado de soja: ‘Todo o setor está parado. Viramos reféns de uma situação absurda’
 ?? DIDA SAMPAIO/ESTADÃO - 13/6/2018 ?? Batatas. Gruber diz que ficou 20 dias sem entregar produto
DIDA SAMPAIO/ESTADÃO - 13/6/2018 Batatas. Gruber diz que ficou 20 dias sem entregar produto

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