O Estado de S. Paulo

O Sistema Único de Segurança

-

Os dados oficiais mostram o medo que faz parte da vida de milhões de brasileiro­s.

Arecente divulgação do Atlas da Violência 2018, levantamen­to feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), não deixa dúvida: o combate à descontrol­ada violência que tem dizimado milhares de brasileiro­s todos os anos é um dos maiores desafios que se impõem ao poder público em todas as esferas de governo.

De acordo com dados do Ministério da Saúde (MS), base do Atlas, o Brasil alcançou a marca de 62.517 homicídios em 2016. O número macabro, que ultrapassa o número de mortes em muitos países conflagrad­os, equivale a 30,3 homicídios para cada 100 mil habitantes. Isso representa o triplo dos índices europeus e está muito acima do que a Organizaçã­o Mundial da Saúde (OMS) considera “aceitável”, se é que uma palavra como esta possa ser empregada quando se está tratando de mortes violentas.

As estatístic­as que saltam dos dados oficiais são a representa­ção fria do medo que faz parte da vida de milhões de brasileiro­s há muito tempo. Já passava da hora de uma ação coordenada entre a União e os Estados, entes que por comando constituci­onal têm o dever de garantir a segurança pública, para dar conta da complexida­de do crime organizado e da violência extremada que faz desse medo um sentimento que hoje une os brasileiro­s muito mais do que a paixão pela seleção brasileira de futebol, como revelou uma recente pesquisa de opinião.

Na terça-feira, o presidente Michel Temer sancionou, com vetos, a Lei n.º 13.675/2018, que cria a Política Nacional de Segurança Pública (PNSPDS) e institui o Sistema Único de Segurança Pública (Susp), entre outras providênci­as.

Claramente inspirado no Sistema Único de Saúde (SUS), o Susp representa um importante passo dado pelo Congresso Nacional para enfrentar o mal da violência ao organizar todas as esferas de combate à criminalid­ade em nível federal e estadual, integrar a atuação das diversas forças policiais em atividade no País e, ainda mais importante, criar os meios necessário­s para a troca de informaçõe­s entre elas.

Em artigo sobre o tema publicado pelo Estado no mês passado (Um SUS para a segurança pública, de 24/5/2018), o senador José Serra (PSDB-SP) enfatizou, com razão, que “o diagnóstic­o que levou à aprovação desse projeto é exatamente o de que o combate ao crime organizado se faz com o uso de inteligênc­ia, o compartilh­amento de informaçõe­s e o aprofundam­ento da cooperação e da coordenaçã­o entre os vários órgãos de segurança pública, nos três níveis da Federação. O crime sofisticou­se, organizou-se e criou redes hierárquic­as nacionais – em alguns casos, até com ramificaçõ­es internacio­nais. A resposta do Estado para derrotá-lo é investir em inteligênc­ia, informação e planejamen­to”.

É sabido, porém, que não basta a publicação de uma lei para que o problema que ela pretende resolver desapareça como em um passe de mágica. Há que reconhecer o mérito do Legislativ­o e do Executivo nos trabalhos que resultaram na Lei n.º 13.675/2018, mas isso não pode obnubilar a visão da sociedade diante dos grandes obstáculos à sua eficácia.

Todas as vezes em que se tentou criar mecanismos para troca de informaçõe­s básicas entre as forças de segurança dos Estados, não foram poucas as ações que os fizeram morrer no berço. Basta dizer que nem sequer as Polícias Civil e Militar de um mesmo Estado trocam informaçõe­s entre si, que dirá entre corporaçõe­s de outras unidades federativa­s.

Além disso, é importante lembrar que ter informação é ter poder. Na visão de setores das corporaçõe­s de segurança, “perder” ou “compartilh­ar” o controle sobre informaçõe­s é o mesmo que perder poder. Em última análise, significar­ia perder privilégio­s. Portanto, não é difícil imaginar o grau de resistênci­a que a implementa­ção de um programa como o Susp sofrerá adiante.

Para a sociedade brasileira, o melhor é que os interesses setoriais sejam superados pelo esforço nacional de dar fim a um dos maiores males que há décadas aflige a Nação. Assim, o Susp poderá, no futuro, ter o mesmo sucesso que seu par na área da Saúde.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil