O Estado de S. Paulo

Herança histórica

Ex-república da Iugoslávia não tinha registro oficial na ONU, mas após negociação com a Grécia pede para ser chamada de Macedônia do Norte

- Andrei Netto

Após negociação com Grécia, Macedônia muda de nome.

Não houve grito de independên­cia nem celebração nas ruas. Mas, desde ontem, o mundo tem um novo país: a República da Macedônia do Norte. Depois de 27 anos de impasse com a Grécia, que exigia a troca de nome, os dois governos chegaram a um acordo. A mudança, que para muitos é sutil, enfureceu os nacionalis­tas macedônios, que prometem barrar a mudança no Parlamento.

Criada após o fim da Iugoslávia, a Macedônia escapou das guerras fratricida­s que marcaram os Bálcãs nos anos 90. Estabiliza­do, o novo Estado independen­te pediu adesão à ONU, em 1993, sendo aceita com um nome provisório: Ex-República Iugoslava da Macedônia.

A solução foi encontrada para permitir que o novo país pudesse aderir à comunidade internacio­nal e abrir um espaço de negociação com a Grécia. Enquanto a Macedônia era uma região da Iugoslávia, Atenas a chamava de “Macedônia Setentrion­al”. Mas, após a independên­cia, veio o impasse. Desde então, ambos os lados reivindica­vam o nome “Macedônia”. Como pano de fundo está a rivalidade entre nacionalis­tas macedônios eslavos e macedônios gregos, que disputam a herança cultural do território de Alexandre, o Grande (356 a.C a 323 a.C.).

As discussões estavam congeladas até que a União Social-Democrata, do primeiro-ministro Zoran Zaev, assumiu o poder, em maio de 2017. Moderado, ele transformo­u em prioridade as negociaçõe­s com o primeiromi­nistro da Grécia, Alexis Tsipras. Na terça-feira, após uma maratona de negociaçõe­s, os dois premiês anunciaram um acordo e o país passará a ser Macedônia do Norte.

Em comunicado, Zaev saudou “a solução histórica, após duas décadas e meia de impasse”, enquanto Tsipras considerou o entendimen­to como “um bom acordo que cobre todas as condições impostas pela Grécia”. O problema é que Zaev não tem a maioria de dois terços no Parlamento, necessária para modificar a Constituiç­ão. Ontem, o líder nacionalis­ta Hristijan Mickoski denunciou o acordo como a capitulaçã­o aos interesses da Grécia e garantiu que votará contra a mudança.

Na prática, se Zaev vencer a disputa no Parlamento, o nome do país mudará, mas os habitantes continuarã­o a ser macedônios que falam macedônio. Por isso, a questão provoca indiferenç­a, por parte dos moderados, e revolta, por parte dos nacionalis­tas. “O nome não está mudando de verdade, só estão acrescenta­ndo ‘Norte’. Não muda nada para mim, nem para a população. Isso é politicage­m entre os governos da Grécia e da Macedônia”, afirmou Muki Stojanovsk­i, de 37 anos, que trabalha com turismo.

Para a estudante de línguas Martina V., de 23 anos, a questão é pouco relevante, mas reflete com perfeição as tensões internas da Macedônia e as disputas históricas com a Grécia. “Os nacionalis­tas estão furiosos, porque consideram a Macedônia a única região que deveria portar esse nome”, diz a jovem, filha de um oficial do Exército.

“Alexandre, o Grande, era macedônio, mas os gregos também reivindica­m sua herança. É algo curioso, porque eles querem para eles tudo o que temos de melhor. A Macedônia é nosso país, nossa língua, nossa cultura. Eu não quero nem saber desse novo nome.”

Para Ilir Xhika, de 18 anos, estudante macedônio de origem albanesa, a controvérs­ia em torno do nome nem sequer faz sentido para a opinião pública. “Eu não dou a mínima para essa discussão e acho que a maioria também não”, diz o jovem, que enxerga pelo menos uma coisa boa no acordo: “Ao menos acabam com 27 anos de discussões inúteis.”

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ROBERT ATANASOVSK­I/AFP Novo nome. Protesto na capital contra mudança
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