O Estado de S. Paulo

Papa volta a enviar perito para apurar abusos

Novos casos são relatados no Chile; no Vaticano, 2 mil denúncias se acumulam

- Jamil Chade CORRESPOND­ENTE / GENEBRA

Preocupado – e até irado, por ter sido enganado em alguns casos, como dizem assessores próximos –, o pontífice nomeará hoje uma nova comissão de peritos para investigar abusos na Igreja. Ontem, uma nova operação policial contra 14 sacerdotes mirou o Tribunal Eclesiásti­co de Santiago. Enquanto isso, quase 2 mil casos de denúncias contra o clero por abuso sexual se acumulam no Vaticano, sem definição.

Procurado para falar sobre o assunto, oficialmen­te o Vaticano afirma que continua trabalhand­o nos casos do Chile e destaca a nova comissão que será enviada para “investigar e aprofundar as investigaç­ões sobre os abusos”. Ontem, a polícia fez uma operação policial em Santiago para obter documentos da Igreja na investigaç­ão de abusos sexuais ocorridos por anos em Rancagua (a 80 km ao sul de Santiago). Ali, 14 padres são acusados de envolvimen­to em abusos sexuais em uma escola.

As denúncias de abuso datam de 2007 e há poucas provas a respeito – por isso, a busca e apreensão envolvem até o Tribunal Eclesiásti­co. “Ninguém está à margem da lei”, afirmou o fiscal regional de O’Higgins, Emiliano Arias. O caso voltou a público na semana passada e, preventiva­mente, a Santa Sé suspendeu os 14 religiosos.

Ainda em Santiago, como enviado do papa para acompanhar a situação naquele país, o arcebispo de Malta, Charles Scicluna, defendeu colaboraçã­o da Igreja com a sociedade civil. “O abuso de menores não é somente um delito canônico, também é um delito civil.” Como resposta conjunta, será aberto um escritório somente para receber denúncias de abuso.

Escândalo. A discussão sobre o tema foi ampliada este ano. Em janeiro, Francisco defendeu o bispo Juan Barros Madrid, acusado de acobertar crimes de outro religioso, Fernando Karadima. Antes, em 2015, ele já havia escolhido Barros para liderar uma importante diocese no país e passou a insistir que não existiam provas contra ele.

Karadima foi quem supostamen­te abusou do chileno José Andres Murillo, ainda em sua infância. Outra vítima, o britânico Peter Saunders contou ao Estado que, ainda em 2015, levou o caso para a atenção do Vaticano. “A resposta que eu recebi dos cardeais era que o papa não teria tempo em sua agenda para avaliar uma situação em um lugar obscuro do mundo”, disse. “Esse tal lugar obscuro do mundo hoje está causando um problema enorme”, completou.

Em maio, o líder da Igreja mudaria seu tom. O que causou isso foi o resultado de uma investigaç­ão que Francisco encomendou em total sigilo e resultou em 2,3 mil páginas de uma detalhada avaliação. Ao concluir a leitura do informe, o papa enviou carta aos bispos sul-americanos, descrevend­o sua “dor e vergonha”.

Dentro do Vaticano, aliados do papa insistem à reportagem que ele foi enganado. Tal ira foi traduzida em um comunicado em que reconheceu que cometeu “sérios erros de avaliação e de percepção sobre a situação, especialme­nte por causa da falta de informação verdadeira e equilibrad­a”. Em público, ele pediria perdão pelos “graves erros” – que levariam à renúncia coletiva dos bispos chilenos. Três renúncias foram aceitas nesta semana: Juan Barros, de Osorno, Gonzalo Duarte e Cristian Caro de Puerto Montt.

Orgulho. Conforme a reportagem apurou, apenas em 2012, último ano antes da posse de Francisco, a Santa Sé recebeu informaçõe­s sobre 612 casos de abusos – 418 deles eram contra crianças. Nos anos entre 2006 e 2012, 3 mil casos contra o clero foram apresentad­os à cúpula da Igreja. Em 2014, no segundo ano de Francisco, muitos começaram a ver uma resposta para a questão dos abusos. Uma das vítimas de abusos por padres na adolescênc­ia, o britânico Peter Saunders contou ao Estado que se sentiu orgulhoso da Igreja quando Francisco decidiu criar uma comissão a respeito. E ainda mais impression­ado quando o Vaticano o convidou a fazer parte da Comissão Pontifícia para a Proteção de Menores. “Eu sinceramen­te acreditei que algo seria feito”, disse.

“Mas eu fazia muitas perguntas e, um dia depois de um ano e meio, questionei o Vaticano sobre o que exatamente que havíamos avançado”, afirmou ele. No dia 16 de fevereiro de 2015, Saunders foi convidado a se retirar da comissão, sob o pretexto que ele deveria “refletir melhor” sobre como iria ajudar nos trabalhos. “Até aquele momento, o papa nunca tinha ido a uma reunião da comissão e, em uma das oportunida­des que eu tive, o questionei sobre sua ausência.”

Quanto ao trabalho da Comissão para a Proteção de Menores, o Vaticano indica que, em seus primeiros quatro anos, o órgão “trabalhou com mais de 200 dioceses e comunidade­s religiosas no mundo para criar uma consciênci­a e educar pessoas sobre a necessidad­e de proteção em casas, paróquias, escolas, hospitais e outras instituiçõ­es”. Para a entidade, introduzir uma cultura de prevenção continua sendo “o objetivo e maior desafio”.

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RICCARDO DE LUCA/AP Sem informação. Assessores dizem que papa foi enganado
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FOTOS JAMIL CHADE/ESTADÃO Chile. Murillo denunciou abusos para pontífice
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Vítima. ‘Pedimos medidas urgentes’, afirma Devaux

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