O Estado de S. Paulo

Ainda indiferent­e?

A Copa da Rússia começa hoje, mas até agora o brasileiro não se animou com o torneio

- Robson Morelli

A Copa do Mundo começa hoje com um desafio praticamen­te inédito: contagiar o torcedor brasileiro, abatido por escândalos na política, dúvidas na economia e ameaças de greves. Diante desse cenário, é inevitável a pergunta: o Mundial vai pegar no País do Futebol?

“A paixão pelo futebol não morreu. Ela vai aumentar após as partidas, mas o clima é ruim. Há uma desconfian­ça generaliza­da no País, um baixo-astral na sociedade gerado pela greve dos caminhonei­ros. O brasileiro ainda está alheio à Copa e preocupado com outras coisas. Mas, quando ela começar, vai suscitar grande motivação”, acredita o cientista político Marco Antônio Teixeira.

É inegável que o clima eufórico das Copas anteriores não existe nesse momento no Brasil, que até duas semanas atrás vivia uma paralisaçã­o nas estradas que poderia muito bem explicar o sentimento que separa um Mundial (2014) do outro (2018). A paralisaçã­o dos caminhonei­ros, a disparada do dólar, a falta de emprego, a violência nas principais cidades, a inadimplên­cia e a completa indefiniçã­o no cenário da corrida presidenci­al ajudam a gerar esse clima de distância da competição. Uma pesquisa recente do Ibope mostrou que apenas 24% dos brasileiro­s afirmavam ter muito interesse no torneio.

Com a greve, o varejo deixou de vender cerca de R$ 245 milhões em televisore­s, um produto diretament­e ligado à Copa. Antes dela, o ritmo das vendas estava parecido ao do mesmo período de 2014. A queda foi de 24%. Quem queria comprar, segurou o desejo (veja reportagem na pág. 10 do Caderno de Economia & Negócios). A expectativ­a dos varejistas é que a retomada aconteça com as vitórias do Brasil na primeira fase da Copa.

Uma outra forma de aferir o interesse do torcedor diz respeito ao canal de busca do Google Trends no Brasil nesta semana. A procura na internet pelo Mundial da Rússia é a menor se comparada no mesmo período às três últimas edições da competição, de 2006 (Alemanha), 2010 (África do Sul) e 2014 (Brasil).

O futebol também foi parar atrás das grades. A CBF, que comanda a seleção, teve um presidente preso por corrupção nos EUA (José Maria Marin) e outro banido do esporte pela Fifa, Marco Polo del Nero, pelo mesmo motivo. Muitos torcedores já perceberam que o esporte moderno virou um grande negócio, que move cada vez mais interesses econômicos e pessoais do que a boa e velha paixão. Ontem, o técnico da Espanha, Julen Lopetegui, foi demitido às véspera da competição porque aceitou convite do Real Madrid.

Não se pode descartar, no entanto, a possibilid­ade de a Copa pegar no Brasil, como pegaram todas as outras enquanto a seleção esteve em pé. “O brasileiro sabe que o futebol é hoje um grande negócio, mas ainda mantém sua paixão pela seleção nacional”, diz Teixeira.

O futebol sempre se comportou com certa distância dos acontecime­ntos políticos e sociais que movem o Brasil. Copa do Mundo sempre foi Copa do Mundo, independen­temente das agruras do País. Futebol e política só estiveram juntos nas comemoraçõ­es. Este ano essa condiçã foi quebrada pelo próprio técnico Tite ao afirmar ao Estado que não levaria seus jogadores, nem ele próprio iria, para festejar a conquista ou lamentar o fracasso do torneio em Brasília.

A globalizaç­ão no esporte também pode ajudar a aumentar esse interesse pela disputa. Amanhã, por exemplo, há um Portugal e Espanha em Sochi. Com Cristiano Ronaldo em campo e uma Espanha remodelada mesmo sem treinador, não há brasileiro que resistirá ao Mundial. Muito menos quando a seleção brasileira entrar em campo contra a Suíça, no primeiro jogo da fase de grupos, domingo, às 15h, em Rostov.

Em 2014, um bilhão de torcedores sintonizar­am na Copa para assistir à decisão no Rio. O torneio registrou audiência residencia­l de 3,2 bilhões de pessoas em todo o mundo. A Copa só está começando e sua força de novo será testada no Brasil.

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