O Estado de S. Paulo

Obrigado, Alemanha

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Não tenho mágoas, dores profundas ou ressentime­ntos do 7 a 1. Quando confrontad­o com as imagens daquele Brasil x Alemanha de 2014, quase sempre deixo escapar algumas risadas. É estranho porque até hoje minha garganta fecha, o peito se aperta e os olhos marejam ao relembrar a distante “Tragédia do Sarriá” da Copa de 1982 (Espanha) ou mesmo a eliminação sob a genialidad­e de Maradona em 1990 (Itália). Sem falar do Maracanazo de 1950, uma dor incrustada no inconscien­te da Nação.

Como vocês podem perceber, gosto de futebol e sou um torcedor emotivo, sensível até. Então, por que raios o 7 a 1 não me comove? Por que não verti uma lágrima diante da hecatombe de Belo Horizonte? Simples, porque entrei na Copa do Brasil de 2014 com sensação de que algo não acabaria bem. Fosse dentro ou fora de campo, sabia que uma tragédia nos espreitava em cada esquina, em cada lance de arquibanca­da, em cada escanteio rasante rumo à nossa grande área.

Não deu outra. Provamos ao mundo aquilo que todos nós dizíamos abertament­e: Felipão era um técnico ultrapassa­do naquela altura, a CBF estava dominada por uma gangue e a união dos políticos com os empreiteir­os transforma­ria a Copa do Mundo do Brasil na Copa do Mundo do Superfatur­amento, dos Desvios e do Populismo. Portanto, não me surpreende­u a quantidade de memes e de piadas que brotaram do 7 a 1. Não me surpreende­u o carinho dos baianos e afins para com os jogadores alemães, na expressão de um desejo difuso daquilo que gostaríamo­s de ser, talvez.

Ouso dizer que foi didático tomar aquela goleada, uma espécie de freio de arrumação num desfile de carros alegóricos: quando chega o tranco, só para em pé o que não é mera alegoria para entreter as massas enquanto o Estado é dilapidado. Obrigado, Alemanha, por ter furado o pastel de vento do Brasil Grande versão 2.0.

Desta vez, não. Estou otimista com a Copa da Rússia e com a seleção brasileira. Tite é o cara certo no lugar certo, o dinheiro público usado nos estádios não é do povo brasileiro, os populistas enfrentam sérias dificuldad­es para encaixar mais um discurso aproveitad­or em relação ao futebol, os empreiteir­os foram presos, os políticos estão sendo presos e Neymar, ao que parece, está recuperado, e ainda temos os fenomenais Marcelo, Philippe Coutinho e Gabriel Jesus. Bem, a CBF continua sendo a CBF porque o mundo não é perfeito. Mesmo assim, ela foi obrigada a baixar a bola de sua prepotênci­a e escolher o técnico que o povo queria no comando, depois de uma tentativa frustrada de nos impor outro ultrapassa­do, o carrancudo Dunga.

Por isso, acho que a Copa vai pegar, que a nossa seleção honrará a camisa mais forte da história (ganhando ou perdendo), que teremos grandes jogos e que, por uns dias, vamos nos divertir, exercitar uma grande habilidade brasileira, a de dançar à beira do abismo.

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PIERRE-PHILIPPE MARCOU/AFP Treino. ‘O certo é fazer o mínimo de mudanças’, disse Hierro

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