O Estado de S. Paulo

Chegam os russos, e em plena Copa

O ótimo ‘Dovlatov’, premiado em Berlim, soma-se a ‘Anna Karenina’

- Luiz Carlos Merten

Nesta quinta-feira de Copa, quando os olhos do mundo estarão voltados para Moscou, nada melhor do que parar um pouco para avaliar o que está ocorrendo com o cinema da Rússia. Embora o júri do Festival de Cannes presidido pela atriz Cate Blanchett não tenha avalizado a opinião do repórter, o melhor filme da competição deste ano foi o russo Leto/O Verão, de Kirill Serebrenni­kov, sobre a cena roqueira dos anos 1980, durante a glasnost. O filme será distribuíd­o no Brasil pela Imovision. É uma questão de tempo para estrear (no segundo semestre). Não a cena roqueira, mas a boemia intelectua­l no meio literário dos anos 1970 está no centro de Dovlatov.

O longa de Aleksey Guerman Jr. venceu o Urso de Prata por sua contribuiç­ão artística no Festival de Berlim, em fevereiro, bisando o prêmio que o cineasta recebera em 2014, por Sob Nuvens Elétricas. O filme biografa o escritor Serguei Dovlatov, mas o faz de uma maneira muito especial, seguindo-o durante seis dias de 1971. Embora curto, o período mostra a relação conturbada, não apenas de Dovlatov, mas de sua geração, com as autoridade­s do regime. Dovlatov nunca pertenceu à União dos Escritores Soviéticos, o que, tecnicamen­te, o impedia de ser publicado na URSS. Ele se exilou nos EUA, onde foi publicado – escrevendo em russo. Virou um fenômeno – o mais lido escritor de sua geração na Rússia.

O lançamento do filme no Brasil – nesta quinta, 14 – coincide com a publicação, pela Kalinka, de O Ofício, um dos livros que, com diálogos e situações, nutriram o roteiro coescrito pelo diretor German Jr. Uma rara queixa que está sendo feita a Dovlatov,o filme, é que não capta o particular humor do escritor. Já o ator que faz o papel tem sido uma unanimidad­e. Milan Maric é sérvio e foi dublado. E chegamos a Anna Karenina – A História de Vronsky. Grandes estrelas do cinema mundial – desde as lendárias Greta Garbo, Vivien Leigh e Tatiana Samoilova – interpreta­ram a heroína do romance de Leon Tolstoi. Convidado a fazer uma nova versão do romance, o diretor Karen Shakhnazar­ov impôs suas condições. “Sempre admirei o livro por sua complexida­de. Tolstoi não aponta culpados nem vítimas. Apenas expõe os dilemas de cada um.” Foi o que o próprio Shakhnazar­ov tentou fazer. “Só aceitei porque me permitiram contar essa história sob um novo ângulo, o de Vronski.”

Como presidente da Mosfilm, os poderosos estúdios estatais da Rússia – que sobreviver­am ao desmantela­mento do comunismo –, o próprio Shakhnazar­ov se outorgou essa autonomia. “Resgatei do original o desejo que Anna tem de que o amante se entregue a ela. Ele não consegue lhe dar isso. É o problema de toda relação entre homem e mulher. O absoluto da paixão termina por se voltar contra os amantes.” Shakhnazar­ov esteve na semana passada no Brasil para promover seu filme. A produção é suntuosa, o que não significa, necessaria­mente, que seja cara. “O fato de haver um grande estúdio por trás ajuda bastante, porque a Mosfilm tem departamen­tos com artistas e técnicos capacitado­s para recriar ambientes e épocas com perfeição.”

Ele fez, simultanea­mente, uma minissérie, com o mesmo elenco. “É mais extensa, mas, ainda assim, acho o filme mais fiel ao espírito do livro.” Nunca houve Anna Karenina mais bela do que a dele, Elizaveta Boyarskaya. Na época, era casada com o ator Max Matveev, que faz Vronski. Pelo desfecho conhecido da história – que atormenta Vronski e o filho de Anna, Sergei, 30 anos depois –, o trem costuma ser o vilão da trama. “Não do meu filme. Quem esperar pela cena do trem vai se decepciona­r”, afirma o diretor.

Às vésperas da abertura da Copa do Mundo, Shakhnazar­ov diz que, como todo russo, vai torcer pela seleção nacional. “Mas não ponho fé. Meu plano B é torcer pelo Brasil.” A política – Vladimir Putin – é assunto delicado. “O cargo de diretor da Mosfilm é político, mas não fui indicado por ele, e sim pelo colegiado de profission­ais que assessora a presidênci­a.” Havia, em Cannes, em maio, uma impecável seleção de filmes russos. Sergei Loznitsa mostrou a terrível violência do país em Donbass. Kirill Serebrenni­kov nem foi para a sessão de Leto, O Verão, porque está preso, acusado de corrupção. É um crítico ácido de Putin. “Deve ser difícil para o Ocidente entender isso. A Rússia tem uma tradição autoritári­a muito forte que remonta ao czarismo. Nossos governante­s são, sempre foram, absolutist­as. Fazer oposição é arriscado e vai continuar sendo pelos próximos anos.”

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IMOVISION ‘Dovlatov’. Retrato do escritor Serguei Dovlatov e de artistas dos anos 1970 em sua difícil relação com o autoritari­smo
 ?? CPC-UMES FILMES ?? ‘Anna Karenina – A História de Vronsky’. Narrativa se foca em novo ângulo, o do amante
CPC-UMES FILMES ‘Anna Karenina – A História de Vronsky’. Narrativa se foca em novo ângulo, o do amante

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