Mauro Cezar Pereira
Episódio do técnico espanhol reforça tese de que seleções não são páreo para grandes clubes europeus.
Julen Lopetegui Argote não foi um goleiro de destaque, embora tenha vestido as camisas de Real Madrid, Barcelona e da seleção da Espanha. Foram raras as vezes, mas as vestiu. Nada comparável às mais de uma centena de partidas pelo Logroñés, que encerrou atividades há quase uma década; e Rayo Vallecano, emblemático clube de Madri que acaba de voltar à elite do futebol espanhol.
Começou como técnico no Rayo, onde pendurou as chuteiras, passou pela base com o Real Madrid Castilla e ganhou títulos europeus com a Espanha Sub-19 e Sub-21. Chegou ao selecionado principal após passagem pelo Porto, entre 2014 e 2016. Criou expectativas entre os portugueses, mas saiu na metade do contrato, sem títulos, com o time mal, em terceiro e fora da Liga dos Campeões.
E foi em baixa que desembarcou na seleção campeã mundial e bi europeia menos de seis meses depois. A Espanha fracassou nas últimas competições, mas se posiciona há pelo menos dez anos entre as grandes. Lopetegui teve nas mãos sua maior chance como treinador sem fazer muito no trabalho anterior. O conhecimento das divisões de base pesou. E deu certo, com a vaga na Copa, deixando a Itália para trás e trajetória invicta – 13 vitórias e cinco empates.
A demissão do treinador às vésperas da estreia na Rússia chocou o mundo do futebol. Óbvio que ele errou ao acertar com o Real Madrid sem que a Federação soubesse, o que gerou sua surpreendente dispensa. Mas o episódio reforça uma tese que já vem de algum tempo: seleções não são páreo para os grandes clubes europeus.
Na prática, dirigir o Real Madrid dá mais prestígio, dinheiro, visibilidade e traz maiores desafios do que comandar uma Espanha. Essa é uma lógica do mercado internacional, a ponto de nomes como Zinedine Zidane, José Mourinho, Carlo Ancelotti, Jürgen Klopp e Pep Guardiola trabalharem em clubes e nem sequer serem lembrados pelas seleções dos seus ou de outros países. O motivo? Dificilmente aceitariam.
Os últimos campeões da Copa do Mundo são prova de tal realidade. Vicente del Bosque, após seus maiores momentos no Real Madrid, estava há cerca de três anos parado quando renasceu como treinador da Espanha. Joachim Löw, antes de se tornar assistente e depois técnico da Alemanha, vinha de trabalhos sem destaque em clubes da Áustria e Turquia. Apenas com Middlesbrough e seleção Sub-21 no currículo, Gareth Southgate assumiu a Inglaterra, país que tem a mais rica liga do mundo.
Mas Lopetegui não está ditando uma nova tendência. Longe disso. Em 1990, Sebastião Lazzaroni dirigiu a seleção brasileira acertado com a Fiorentina. Quatro anos depois, Carlos Alberto Parreira foi campeão com o Brasil já contratado pelo Valencia. Em 2014, Louis Van Gaal esteve à frente da Holanda sabendo que após a Copa dirigiria o Manchester United. Já na Euro 2016, Antonio Conte treinou a Itália após assinar com o Chelsea.
O novo técnico do Real Madrid conduziu mal a mudança, ainda mais depois de renovar com a Federação Espanhola. Mas sua movimentação é mais do que natural num futebol onde clubes são maiores do que seleções. O caso do Brasil é raro, e a CBF tem o melhor treinador do País na atualidade à frente de seu selecionado. Isso porque Tite, como os demais brasileiros, nunca esteve na mira de grandes e ricos clubes da Europa. Pelo menos por enquanto...