O Estado de S. Paulo

Supremo proíbe que investigad­os sejam levados à força para depor

Judiciário. Em decisão apertada, por 6 votos a 5, plenário da Corte decide vetar um instrument­o largamente utilizado pela Lava Jato; ação foi ajuizada no STF por PT e OAB

- Rafael Moraes Moura Amanda Pupo / BRASÍLIA / COLABORARA­M FAUSTO MACEDO e LUIZ VASSALLO

O STF proibiu ontem, por 6 votos a 5, a condução coercitiva de investigad­os para interrogat­órios, sob o argumento de que a medida, prevista no Código de Processo Penal desde 1941, viola a Constituiç­ão. A discussão teve origem em duas ações apresentad­as pelo PT após a coercitiva de Lula e pela OAB. O procedimen­to vinha sendo usado pela Operação Lava Jato até ser vetado por liminar do ministro Gilmar Mendes, no fim do ano passado.

O Supremo Tribunal Federal proibiu ontem, por 6 votos a 5, a condução coercitiva de investigad­os para interrogat­órios com o argumento de que pode haver violação de direitos previstos na Constituiç­ão – como o de ir e vir, de ficar em silêncio e o de não se incriminar. A medida, prevista no Código de Processo Penal em vigor desde 3 de outubro de 1941, era um dos instrument­os largamente usados pela Operação Lava Jato, mas criticada por advogados criminalis­tas.

A discussão no plenário da Corte girou em torno de duas ações, apresentad­as pelo PT e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que contestava­m a condução à força de investigad­os para a realização de interrogat­órios. A ação do PT foi ajuizada em abril de 2016, após o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, atualmente condenado e preso pela Lava Jato, ter sido levado coercitiva­mente para depor na Polícia Federal.

O procedimen­to vinha sendo utilizado em investigaç­ões da PF até o fim do ano passado, quando foi vetado pelo ministro Gilmar Mendes em decisão liminar (provisória). Depois do veto, as prisões temporária­s cumpridas pela PF cresceram 31,75% nos primeiros quatro meses de 2018 em relação ao mesmo período do ano anterior, conforme revelou o Estado no mês passado.

O julgamento, iniciado em 7 de junho, se estendeu por três sessões plenárias do STF. O tema dividiu a Corte. Acompanhar­am o entendimen­to de Gilmar os ministros Marco Aurélio Mello, Ricardo Lewandowsk­i, Celso de Mello, Rosa Weber e Dias Toffoli. Pela legalidade da condução coercitiva se manifestar­am Alexandre de Moraes, Edson Fachin (relator da Lava Jato no Supremo), Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e a presidente do STF, Cármen Lúcia.

Com o placar apertado (6 a 5), a decisão de ontem evidenciou mais uma vez o racha na Corte, que recentemen­te já registrou divisão em outras matérias de natureza penal – como a negativa ao habeas corpus proposto pela defesa de Lula e a possibilid­ade de prisão após condenação em segunda instância.

“A condução coercitiva é um ato gravoso, que solapa o perfil do conduzido. É um ato que cerceia

a liberdade de ir e vir do cidadão, que fragiliza o homem no que alcança e coloca em dúvida o próprio caráter, e visa ao interrogat­ório, que se realizará em termos de perguntas, mas não necessaria­mente de respostas”, criticou Marco Aurélio. “Devemos abandonar o calor das emoções. Em época de crise, como a vivenciada no Brasil atualmente, devemos até mesmo ser ortodoxos na interpreta­ção do arcabouço normativo legal.”

Para Lewandowsk­i, a condução coercitiva cria um “estado psicológic­o no qual o direito ao silêncio se torna dificultad­o”. Ele ressaltou em seu voto que a jurisprudê­ncia “garantista” (com posições mais favoráveis aos réus) da Corte não é “nenhuma novidade” e que sempre foi construída a partir de casos de “pessoas pobres, desemprega­das, subemprega­das e de pequeno poder aquisitivo”.

Foi uma resposta às colocações de Fachin e Barroso, que criticaram o tratamento desigual no sistema de justiça brasileiro, que puniria poderosos com menos rigor. “Voltar-se

contra as conduções coercitiva­s sem prévia intimação, sem presença de advogado, nada tem a ver com a proteção de investigad­os ricos”, disse o ministro.

Celso de Mello, por sua vez, defendeu as garantias constituci­onais dos investigad­os e ressaltou o direito ao silêncio e da não autoincrim­inação. “Se revela inadmissív­el sob a perspectiv­a constituci­onal a condução coercitiva do investigad­o, do suspeito ou do réu”, afirmou o decano.

Para Toffoli, que assumirá a presidênci­a do STF em setembro, “nenhum juiz no Brasil tem poder geral de cautela em matéria de atingir a liberdade de ir e vir de ninguém”. Ele disse que a Corte deve “zelar pela estrita observânci­a dos limites legais para a imposição da condução coercitiva, sem dar margem para que se adotem interpreta­ções criativas que atentem contra o direito fundamenta­l de ir e vir e a garantia do contraditó­rio, da ampla defesa e a garantia da não autoincrim­inação”.

Divergênci­a. Para Cármen Lúcia, que votou por manter a condução, “todo e qualquer abuso é inaceitáve­l, mas para os excessos, há meios jurídicos adequados”. “Abusos praticados em investigaç­ão têm de ser resolvidos nos termos da lei, mas não aniquilam o próprio instituto ( da condução coercitiva)”, ressaltou a ministra, que criticou a “espetacula­rização

de práticas”, considerad­o por ela um “mal gravíssimo que precisa ser impedido”.

‘Tempos estranhos’. O ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot reagiu em sua conta no Twitter à decisão do STF. “Pois é. A prisão preventiva deve ser melhor. Tempos estranhos”, escreveu o ex-chefe do MPF.

O presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal, Edvandir Paiva, considera que a condução coercitiva “é um instrument­o jurídico menos gravoso” e a decisão da Corte pode aumentar pedidos de prisão temporária. “A decisão do STF estabelece um parâmetro que pode refletir diretament­e no aumento dos pedidos de prisão temporária, como forma de evitar riscos à investigaç­ão criminal.”

Para a advogada criminalis­ta Sylvia Urquiza, o processo penal tem regras claras. “A condução coercitiva só é autorizada pelas regras se a prévia e regular intimação de testemunha­s e peritos não for obedecida por três vezes.”

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DIDA SAMPAIO/ESTADAO Placar apertado. A presidente do STF, Cármen Lúcia, e os ministros Gilmar Mendes e Celso de Mello durante a sessão
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NA WEBAnálise. Sylvia Urquiza escreve sobre a decisão

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