O Estado de S. Paulo

Juros e concorrênc­ia

Juros mais favoráveis virão com maior concorrênc­ia no sistema financeiro.

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Juros mais baixos e mais favoráveis ao cresciment­o econômico virão com maior concorrênc­ia no sistema financeiro, apontado como uma das prioridade­s do Banco Central (BC) em seu Relatório de Economia Bancária. A competição tem crescido, segundo o relatório, e deve continuar aumentando com a expansão das cooperativ­as de crédito e de startups caracteriz­adas pelo uso de novas tecnologia­s financeira­s, como as fintechs. Enquanto se esperam efeitos mais sensíveis de mudanças como essas, o tomador de empréstimo­s continuará pagando caro pelo dinheiro, mesmo com redução da taxa básica de juros, a Selic. Desde outubro de 2016 a política monetária se tornou menos severa, mas o efeito da mudança foi muito limitado no custo do financiame­nto concedido.

A taxa básica diminuiu mais de 50% – de 14,25% para 6,50% – desde o começo de afrouxamen­to da política monetária, há pouco menos de dois anos. O benefício transferid­o ao tomador final, pessoa física ou jurídica, foi limitado, mas suficiente, apesar disso, para injetar algum vigor no consumo de bens duráveis. Até esse ganho poderá ser interrompi­do, se o ciclo de reduções da Selic estiver encerrado.

A taxa foi mantida sem mudança na última reunião do Copom, o Comitê de Política Monetária do BC. Se essa decisão se repetir na próxima reunião, prevista para os dias 19 e 20 de junho, o desempenho da economia em 2018 ficará com certeza bem abaixo do previsto até há pouco tempo. Esse desempenho já foi prejudicad­o pela perda de impulso no primeiro trimestre e, nas últimas semanas, pela crise no transporte rodoviário.

A autoridade monetária poderá, de toda forma, continuar tentando influir na formação do custo dos financiame­ntos, por meio de sua Agenda BC+, baseada em medidas de modernizaç­ão, aumento de eficiência do sistema financeiro e medidas – tanto de regulação como de política – para redução do custo do crédito.

Esse custo, segundo os técnicos do BC, depende basicament­e de cinco fatores: custo de captação, inadimplên­cia, despesas administra­tivas, tributos + Fundo Garantidor de Crédito (FGC) e, por último, margem financeira. A diferença entre o custo final e o custo de captação é o spread, notavelmen­te amplo no Brasil.

Entre 2015 e 2017, a inadimplên­cia teve um peso de 37,4% na formação do spread considerad­o no Índice do Custo do Crédito (ICC). Este conceito correspond­e ao custo médio de todos os contratos de financiame­nto em vigor, desde os mais antigos até os mais novos. Despesas administra­tivas tiveram participaç­ão de 25%, tributos+FGC pesaram 22,8% e em último lugar ficou a margem financeira, com 14,9%.

A concorrênc­ia, segundo o relatório, é um dos fatores determinan­tes desse último componente, a margem financeira. É, portanto, apenas um subcompone­nte do spread, isto é, da diferença entre o custo de captação e o custo cobrado na concessão de empréstimo­s.

Não há uma relação direta, segundo a análise apresentad­a pelo BC, entre os spreads e a concentraç­ão bancária. A relação entre os dois fatores parece incontorná­vel, especialme­nte num país como o Brasil, onde o setor bancário é um dos mais concentrad­os do mundo.

No Brasil, em 2016 os cinco maiores bancos detinham 82% dos ativos totais do sistema, índice muito maior que o observado nos Estados Unidos (43%), igual ao da França e pouco superior aos do Canadá (81%) e da Austrália (80%). Estudos conduzidos em países europeus desmentem, no entanto, segundo o relatório, uma relação direta entre concentraç­ão e spreads.

Mesmo negando essa relação, o relatório faz no entanto uma ressalva quanto às preocupaçõ­es da autoridade monetária: o BC, de acordo com o documento, monitora a concentraç­ão do sistema financeiro e “está atento aos riscos para o sistema e aos possíveis efeitos sobre o spread bancário e outros preços”. Neste caso, a mera rejeição do senso comum seria provavelme­nte uma imprudênci­a: concentraç­ão representa poder sobre o mercado e, portanto, sobre a formação do custo para o cliente. Não se espera essa imprudênci­a do BC.

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