O Estado de S. Paulo

O futuro da internet

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No momento em que a União Europeia dá um importante passo na proteção da privacidad­e do usuário da internet, com a entrada em vigor do Regulament­o Geral sobre a Proteção de Dados Pessoais (GDPR, na sigla em inglês), os Estados Unidos vivem uma intensa disputa interna em relação ao princípio da neutralida­de da rede, que assegura acesso livre e igualitári­o a todo tipo de conteúdo no ambiente online. Os dois assuntos são extremamen­te relevantes para o futuro da internet, pois, além de afetarem as relações entre os usuários e as empresas digitais, eles podem desfigurar a própria identidade da rede.

O princípio da neutralida­de da internet impede que operadoras de telecomuni­cações – empresas que comerciali­zam os meios de acesso à internet – bloqueiem ou restrinjam o acesso a sites ou a serviços oferecidos online, além de proibir que sejam feitas cobranças diferencia­das em razão do tráfego realizado pelos usuários. Tal princípio é vital para a liberdade do ambiente digital.

O governo de Donald Trump está decidido, no entanto, a diminuir as exigências relativas à neutralida­de da rede. Em dezembro de 2017, a Comissão Federal de Comunicaçõ­es (FCC, na sigla em inglês), cujo presidente foi nomeado por Trump, decidiu que as operadoras poderão bloquear, reduzir a velocidade ou dar prioridade a determinad­os conteúdos para seus usuários. A única condição para que as empresas realizem alguma dessas intervençõ­es é informar às autoridade­s.

Trata-se de uma mudança radical da regulação aprovada em 2015, que protegia a neutralida­de da rede. O novo marco jurídico da FCC vem enfrentand­o, no entanto, dificuldad­es para entrar em vigor. Inúmeras entidades de defesa dos direitos digitais e até uma coalizão de 22 advogados gerais estaduais propuseram ações judiciais em defesa da neutralida­de da rede. Alguns governador­es também se mobilizara­m, fixando regras locais que reestabele­ciam as exigências de neutralida­de para as operadoras de internet.

Recentemen­te, o Senado americano desferiu uma séria ofensiva contra a medida da FCC. Usando a prerrogati­va do Congresso de desfazer as regras criadas por agências federais, os senadores, por 52 votos contra 47, derrubaram a decisão da FCC. Cabe agora à Câmara, onde Donald Trump conta com ampla base aliada, ratificar ou não o veto do Senado. Ou seja, a liberdade da rede continua em perigo.

Por sua vez, a União Europeia inaugurou recentemen­te um novo patamar na proteção dos usuários da internet. A legislação em vigor era de 1995, quando Google e Facebook ainda nem existiam, e sua maior preocupaçã­o era a liberdade de circulação de dados. Já o novo marco regulatóri­o, o GDPR, que vale desde o dia 25 de maio, tem como um de seus valores centrais a privacidad­e dos usuários. Entre outras obrigações, as empresas digitais deverão informar quais dados elas coletam dos usuários e quais usos elas dão a esses dados.

O objetivo do GDPR é conferir um novo equilíbrio entre a inovação, o comércio e a proteção da vida privada. Não isenta de controvérs­ias – há quem diga que as novas exigências da União Europeia às empresas digitais são excessivas e podem limitar o empreended­orismo na internet –, a nova legislação é bastante ampla e regula desde as redes sociais e a publicidad­e direcionad­a até os serviços de geolocaliz­ação e os novos assistente­s pessoais.

Ciente de que o seu poder regulatóri­o precisa atingir os gigantes digitais, como Google, Apple, Facebook, Amazon e Microsoft, o GDPR prevê multas de até ¤ 20 milhões ou 4% da receita global da empresa, o que for maior. Também foram criados novos procedimen­tos judiciais, com ações coletivas específica­s para a proteção dos direitos digitais.

Onde há sociedade há necessidad­e do Direito. A história comprova que a ausência ou a inadequaçã­o de leis não propiciam ambientes de liberdade. É necessário, portanto, que a internet tenha marcos regulatóri­os atualizado­s, aptos a proteger, ante as novidades tecnológic­as, os valores de sempre: as liberdades e garantias individuai­s. Caso contrário, o avanço tecnológic­o torna-se sinônimo de retrocesso social.

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