O Estado de S. Paulo

Quem tem Cristiano não morre pagão

- COLUNISTA DO ‘ESTADO’ E COMENTARIS­TA DA ESPN

Asurra que a Rússia aplicou na Arábia foi a primeira surpresa da Copa. Os donos da casa havia meses não venciam, e talvez o público se contentass­e com resultado magro. Mas 5 a 0 foi demais da conta! Vitória pra derrubar qualquer bolão sensato e que deixou Putin com sorriso deste tamanho nas tribunas do Luzhniki – e até um pouco sem jeito pela estupefaçã­o do saudita ilustre ao lado dele.

Mas o que o parágrafo anterior tem a ver com o título, que remete a Cristiano Ronaldo? A ligação é a seguinte: eu imaginava que o pontapé inicial d0 21.º Mundial fosse um fiasco, pois reunia as duas piores seleções no último ranking da Fifa. No entanto, o festival de gols serviu como excelente aperitivo e leva a supor pratos principais saborosos. E, como não sou superstici­oso – pé de pato, mangalô três vezes! –, acredito que o banquete até 15 de julho será divertido.

Para tanto, fico na expectativ­a de que o primeiro grande craque a desfilar em gramados russos brilhe nesta sexta-feira, no duelo da Península Ibérica. Tenha certeza, prezado leitor destas mal traçadas, que centenas de milhões de olhos estarão voltados para o português à espera de proezas. Noves fora os espanhóis (um tanto menos os fãs do Real Madrid, por razões sentimenta­is), a parte do planeta que curte o joguinho de bola aguarda espetáculo do luso.

Muito justo revelar simpatia pelo estiloso, luzidio e engomado atacante. O futebol dele costuma ser tão impecável quanto o visual cuidado nos mínimos detalhes, do sorriso alvar às sobrancelh­as delineadas e cabelos que, com sol ou chuva, não ficam com um fio fora do lugar. Tudo nele vem no capricho de quem não tem “nada a esconder”, como afirma na propaganda.

Cristiano virou referência e alma da equipa campeã europeia em 2016, aquele que desequilib­ra e enche de orgulho os compatriot­as. Não é por acaso que teve alguns dias de repouso, após a decisão da Champions, em maio, em outra conquista do Real que contou com assinatura dele. Comissão técnica e cartolagem da seleção portuguesa tinham convicção de que o gênio merecia espairecer antes de apresentar-se para a empreitada. Com gana e mais leve, faz a diferença.

Mundial ainda é a vitrine maior para realçar os fora de série. Claro que competiçõe­s nacionais e internacio­nais de clubes atraem atenção no dia a dia e são a passarela usual deles. No entanto, no show ecumênico de cada quatro anos os maiores solistas se reúnem para um tira-teima único. Pelé, Garrincha, Romário, Beckenbaue­r, Maradona, Zidane, Cruyff (vice em 74) e outros voltaram da aventura mais idolatrado­s que nunca.

Exagero colocar Portugal no bloco dos favoritos – há adversário­s mais bem cotados, como os próprios espanhóis, além de brasileiro­s, alemães, argentinos, franceses. Enfim, a turma de sempre. Tampouco não se deve desdenhar de sua capacidade. O grupo tem qualidade, atletas recrutados de várias Ligas importante­s, e acima de tudo conta com Cristiano. E, numa comparação que não deve soar como heresia, é possível dizer que quem tem Cristiano Ronaldo não morre pagão. Que ele cumpra suas funções de padrinho do time e dos que amam futebol.

Por falar em atitude herética, qual será o estado de ânimo da Fúria – sei que agora virou La

Roja, a vermelha, mas gosto de Fúria – para a estreia com comando trocado dois dias antes? Que história rocamboles­ca, impensável até para a imaginação fértil de um Cervantes ou Lope de Vega, essa da demissão do técnico! Julen Lopetegui, como cidadão livre, tem todo direito de escolher onde quer trabalhar. Mas poderia ter avisado a Federação Espanhola que negociava com o Real Madrid e não anunciar acerto cinco minutos antes que se tornasse oficial.

A bomba caiu no colo de Fernando Hierro. Cristiano & Cia. aproveitar­ão o erro? Veremos.

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