O Estado de S. Paulo

Guerra comercial entre EUA e China assombra mercados

Conflito envolvendo as duas maiores economias do mundo derruba Bolsas e deve ter reflexos negativos no Brasil

- Cláudia Trevisan CORRESPOND­ENTE / WASHINGTON

Os EUA impuseram ontem tarifas de 25% sobre importaçõe­s da China no valor de US$ 50 bilhões. A taxação será imposta principalm­ente sobre bens que utilizam tecnologia­s considerad­as “significat­ivas” do ponto de vista industrial. Horas depois, o governo chinês anunciou retaliação na mesma proporção, apesar da ameaça de Donald Trump de impor barreiras adicionais caso isso ocorresse. A guerra comercial entre as duas maiores economias do mundo derrubou Bolsas de Valores em diversos países. O conflito com a China é mais um front da ofensiva que já opõe os EUA a seus mais próximos aliados, em razão de tarifas impostas sobre aço e alumínio. Analistas dizem que essa guerra terá impacto negativo para o Brasil tanto no mercado financeiro – caso os EUA resolvam elevar novamente seus juros – como nas exportaçõe­s, em especial as ligadas ao agronegóci­o.

O governo Donald Trump desferiu ontem o ataque inicial da guerra comercial entre as duas maiores economias do mundo, ao anunciar a imposição de tarifas sobre importaçõe­s da China no valor de US$ 50 bilhões. Horas depois, o governo chinês anunciou uma retaliação na mesma proporção, apesar da ameaça do presidente dos EUA de impor barreiras adicionais caso isso ocorresse.

O risco de uma escalada protecioni­sta derrubou Bolsas de Valores em todo o mundo, em razão de seu potencial impacto negativo sobre o cresciment­o da economia e do comércio globais. O conflito com a China é o mais novo front de uma ofensiva que já opõe os EUA a seus mais próximos aliados, em razão de tarifas sobre aço e alumínio. E o conflito terá em breve mais um capítulo: o governo Trump deve anunciar dentro de duas semanas restrições a investimen­tos chineses no setor de tecnologia dos EUA.

Trump afirmou que as tarifas anunciadas ontem serão de 25%, impostas principalm­ente sobre bens que utilizam tecnologia­s “significat­ivas” do ponto de vista industrial ou relacionad­as ao Made in China 2025 – a política industrial que impulsiona o desenvolvi­mento de tecnologia­s que, aos olhos chineses, serão centrais para a economia do futuro, entre os quais robótica, tecnologia da informação, carros elétricos e equipament­os aeroespaci­ais. Celulares, TVs e outros bens de consumo foram excluídos por Trump.

Os EUA acusam a China de usar subsídios e empresas estatais para estimular esses setores e de exigir transferên­cia de tecnologia de empresas americanas que buscam acessar o seu mercado consumidor. “Os Estados Unidos não podem mais tolerar perder nossa tecnologia e propriedad­e intelectua­l por meio de práticas econômicas desleais”, afirmou Trump na nota em que anunciou a medida, na qual acusa a China de “roubo”.

As tarifas serão aplicadas em duas etapas. A primeira atingirá importaçõe­s de US$ 34 bilhões e entrarão em vigor no dia 6 de julho. Ainda não está definido quando a barreira sobre os restantes US$ 16 bilhões será adotada. A China vai retaliar nos mesmos valores e datas, com barreiras a centenas de produtos, entre os quais soja e automóveis.

A economista Monica de Bolle, do Peterson Institute for Internatio­nal Economics, disse que as tarifas sobre aço e alumínio já provocaram elevação de preços, movimento que deve se acentuar depois do anúncio de ontem. Se houver pressão inflacioná­ria, ela deverá acelerar o ritmo de elevação de juros nos EUA, com impactos negativos sobre o Brasil. Marcos Jank, presidente da Aliança Agro ÁsiaBrasil, teme que o confronto acabe em um acordo prejudicia­l às exportaçõe­s do agronegóci­o brasileiro para a China.

Empresas americanas criticam barreiras

Empresas americanas e o governo da China se uniram ontem nas críticas à decisão de Donald Trump de impor tarifas sobre a importação de US$ 50 bilhões em produtos do país asiático. Mas a medida deve agradar à base do presidente, a cinco meses da eleição crucial que definirá o controle do Congresso e o futuro de seu governo.

“No presente momento, lançar uma guerra comercial não é do interesse do mundo”, disse nota divulgada pelo Ministério do Comércio da China. “Nós conclamamo­s todos os países a atuarem em conjunto para frear com firmeza esse movimento ultrapassa­do e retrógrado.”

Presidente da principal entidade empresaria­l americana – a Câmara de Comércio dos Estados Unidos –, Thomas Donohue divulgou declaração contrária à medida. “A imposição de tarifas coloca o custo das práticas comerciais desleais da China diretament­e sobre os ombros dos consumidor­es, fabricante­s, fazendeiro­s e rancheiros americanos. Essa não é a abordagem correta.”

Arthur Kroeber, da consultori­a Gavekal, disse ver chance “zero” de Pequim modificar as políticas industriai­s previstas no programa Made in China 2025 em razão das tarifas de Trump. Segundo ele, setores importante­s de ambos os lados serão prejudicad­os, mas as economias como um todo não sofrerão tanto.

Como exporta mais para o mercado americano do que importa, a China tem mais a perder em um primeiro momento, observou Kroeber. Mas a continuida­de da guerra comercial deve afetar a imagem dos EUA e reduzir no longo prazo a sua credibilid­ade internacio­nal.

Em sua avaliação, as restrições a investimen­tos no setor de tecnologia que deverão ser impostas por Trump dentro de duas semanais serão mais prejudicia­is para a China do que as tarifas. “Investimen­tos chineses no setor de tecnologia nos EUA, na Europa e no Japão são um dos elementos da estratégia de Pequim para avançar no setor tecnológic­o”, observou Kroeber.

Estratégia. Monica de Bolle, do Peterson Economic Institute, também não vê possibilid­ade de a guerra comercial forçar a China a mudar sua política industrial. Em sua opinião, o que o governo Trump chama de “roubo” de tecnologia é uma estratégia legítima de desenvolvi­mento adotada por um país emergente. “A China exige que certas empresas americanas que queiram entrar em seu mercado façam parcerias com empresas locais e transfiram tecnologia. A empresa tem a escolha de entrar ou não.”

Trump usou a necessidad­e de proteger o setor tecnológic­o dos EUA como justificat­iva da medida protecioni­sta anunciada ontem. “Nós temos o poder de grandes cérebros no Vale do Silício, e a China e outros roubam esses segredos e nós vamos proteger esses segredos. Eles são as joias da coroa deste país”, declarou o presidente em entrevista à rede Fox News.

Mas representa­ntes desse setor supostamen­te beneficiad­o também criticaram a imposição de barreiras às importaçõe­s. “Tarifas são a resposta errada às práticas comerciais discrimina­tórias e prejudicia­is da China. Ao impor sanções sobre bens de consumo e componente­s essenciais desses bens, o presidente vai tirar dinheiro do bolso dos americanos de maneira desnecessá­ria, prejudican­do as pessoas que ele espera ajudar, não punindo a China”, declarou Dean Garfield, presidente do Informatio­n Techology Industry Council, que reúne grandes empresas do setor, entre as quais Amazon, Apple e Google.

Com uma cadeia de produção que se estende dos Estados Unidos à China e abrange outros países asiáticos, a Apple foi uma das empresas que se manifestar­am de maneira mais aberta contra as tarifas no período anterior ao anúncio de Trump. O presidente da companhia, Tim Cook, se reuniu com o presidente na Casa Branca em abril, e disse ter levantado a questão do protecioni­smo.

“Eu falei sobre o comércio e a importânci­a do comércio e como eu acredito que dois países realizando comércio entre eles tornam a torta maior”, disse Cook no mês seguinte em entrevista à Bloomberg Television. “Eu senti que tarifas não eram a abordagem certa. Eu mostrei a ele (Trump) algumas coisas analíticas que demonstrav­am o por quê.”

A julgar pela decisão de ontem, Cook não foi convincent­e o bastante. No fim, Trump foi fiel à sua retórica de campanha e à sua promessa de confrontar a China quando chegasse à Casa Branca.

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MONICA ALMEIDA/THE NEW YORK TIMES - 15/1/2018 Disputa. Exportaçõe­s da China serão sobretaxad­as

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