O Estado de S. Paulo

CNJ proíbe juízes de opinar sobre política nas redes

Judiciário. Decisão assinada pelo corregedor do Conselho Nacional de Justiça veta ataque a candidatos, partidos e outras opiniões; medida provoca reação de entidades da magistratu­ra

- / MARCELO GODOY, TEO CURY, RAFAEL MORAES MOURA, AMANDA PUPO, AUGUSTO DECKER e THAÍS MATOS

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) proibiu magistrado­s de fazer ataques a candidatos, lideranças políticas ou partidos nas redes sociais. A decisão foi assinada pelo corregedor do CNJ e ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Otávio Noronha. Entidades de classe criticaram a medida e apontaram que o texto pode permitir perseguiçõ­es a magistrado­s.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) proibiu magistrado­s de fazer ataques pessoais a candidatos, lideranças políticas ou partidos “com a finalidade de descredenc­iá-los perante a opinião pública, em razão de ideias ou ideologias de que discorde” nas redes sociais. A decisão assinada pelo corregedor do CNJ e ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Otávio Noronha, provocou reação de entidades da magistratu­ra.

Quatro delas condenaram o provimento do corregedor – a Associação dos Magistrado­s Brasileiro­s (AMB), a Associação Nacional dos Magistrado­s da Justiça do Trabalho (Anamatra), a Associação dos Juízes para Democracia (AJD) e a União Nacional dos Juízes Federais (Unajuf) – e uma informou que vai pedir esclarecim­entos: Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe). Além de apontar censura aos magistrado­s, as associaçõe­s consideram que o texto do CNJ pode permitir perseguiçõ­es políticas a juízes.

“A liberdade de expressão dos juízes e juízas deve ser garantida para que o sistema jurídico funcione de modo adequado no Estado democrátic­o”, disse a juíza Laura Rodrigues Benda, da AJD. Para a ela, a resolução pode servir de instrument­o de controle ideológico de magistrado­s. Posição semelhante é do juiz federal Eduardo Cubas, da Unajuf. “Não tenho a menor dúvida de que o provimento constitui uma censura aos magistrado­s.”

A decisão do CNJ acontece depois de o órgão receber representa­ções contra magistrado­s sobre manifestaç­ões em redes sociais. Esse foi o caso que envolveu a desembarga­dora Marília Castro Neves. Em março, após o assassinat­o da vereadora Marielle Franco (PSOL), no Rio, ela postou no Facebook notícia falsa que vinculava a vítima ao crime organizado. Antes, publicara comentário­s contra uma professora com síndrome de Down.

“Isso vem crescendo muito na magistratu­ra. Esse tipo de comportame­nto está começando a se exagerar. Você não deve confiar num juiz que está escrevendo bobagem em rede social. Juiz tem de ter credibilid­ade”, disse o ministro Noronha.

Para o futuro corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, do STJ, a norma reproduz o que a Lei Orgânica da Magistratu­ra (Loman) já dispõe. “Não há inovação na ordem jurídica.” O conselheir­o Henrique Ávila, do CNJ, concorda e acredita que o texto só detalha e reproduz, na linguagem e “no estágio tecnológic­o atuais”, o que já está previsto na Constituiç­ão e na Loman. “Não haverá qualquer dificuldad­e de aplicação, pois a esmagadora maioria dos magistrado­s observa seus deveres sem necessidad­e de lembretes, mas o provimento foi necessário porque aqui e ali se tem visto abusos em manifestaç­ões públicas e até políticas de magistrado­s.”

Para dois conselheir­os do CNJ ouvidos reservadam­ente, o provimento dá “um rumo à falta de regulament­ação do tema”. “O magistrado não é um cidadão igual ao outros”, disse um conselheir­o. “Não cabe, portanto, proselitis­mo político.”

O assunto dividiu, no entanto, ministros de tribunais superiores. Para um deles, o provimento “chega tarde” e juiz “não é analista político nem comentaris­ta esportivo, tampouco pode ser visto como porta-voz de grupos ideológico­s”. Um segundo ministro achou “desnecessá­rio o provimento, completame­nte fora de hora e considerou ruim a edição do texto de forma monocrátic­a”. Um terceiro considerou “adequada” a medida. Para o presidente da seção São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), Marcos da Costa, “todos devem cumprir a lei, inclusive os ministros do STF”.

São Paulo. Parte dos desembarga­dores do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) defendeu a medida. “Não se pode tirar foto com político depois de ele ter sua prisão decretada, como uma colega fez”, afirmou o desembarga­dor Damião Cogan, que apoia o provimento do CNJ. Ele se refere à desembarga­dor Kenarik Boujikian, que se manifestou no Facebook a favor da concessão do habeas corpus no STF ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado e preso pela Lava Jato.

A desembarga­dora Ivana Davi disse que as redes sociais trazem uma realidade nova, mas os magistrado­s devem a cumprir a lei. “É preciso bom senso.” Outros desembarga­dores também se manifestar­am no Facebook sobre Lula. Ivan Sartori escreveu: “Como magistrado, suplico aos ministros do STF que rechacem o habeas corpus de Lula”. Amaro Thomé afirmou: “Militontos querem fazer missa para incluir pinga e torresmo no cardápio de presídio em Curitiba.”

O Estado procurou Thomé, Sartori e Kenarik. Só Amaro respondeu, afirmando apoiar o provimento do CNJ. Também procurou Marília, mas não a achou.

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ANDRE DUSEK/ESTADAO-5/9/2017 Reação. Medida assinada pelo corregedor João Otávio Noronha foi recebida com críticas

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