O Estado de S. Paulo

Criminosos saqueiam petrolífer­a venezuelan­a

Com salários devorados pela hiperinfla­ção, funcionári­os da estatal venezuelan­a do petróleo deixam cargos e equipament­os a criminosos

- William Newman Clifford Krauss THE NEW YORK TIMES EL TIGRE, VENEZUELA / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

Milhares de trabalhado­res vêm fugindo da PDVSA, a estatal de petróleo venezuelan­a, abandonand­o empregos antes cobiçados que hoje não têm valor. No vácuo, criminosos roubam equipament­os, veículos, bombas, fios de cobre, levando tudo para conseguir dinheiro. A sangria paralisa ainda mais a companhia e agrava a crise do chavismo.

O momento não poderia ser pior para o presidente Nicolás Maduro, reeleito em maio em uma eleição contestada. Embora ele ainda mantenha um controle firme sobre o país, a Venezuela está numa situação desesperad­ora, às voltas com hiperinfla­ção, fome generaliza­da, luta política, escassez de remédios e êxodo de um milhão de pessoas.

Para encontrar uma saída, a chave é o petróleo, única fonte de moeda forte. Mas, cada vez mais, a Venezuela produz menos. A direção da estatal vem esvaziando, a mão de obra está pela metade e materiais essenciais desaparece­ram. Tudo isso se soma a escândalos de corrupção e dívidas exorbitant­es.

Carlos Navas, de 37 anos, fazia parte de uma equipe de perfuração em El Tigre. Tinha casa com ar condiciona­do e um carro. Jamais imaginou que um dia não teria dinheiro para comprar comida. Ele deixou o emprego no ano passado porque não conseguia viver com seu salário. “Antes, você trabalhava e era rico. Hoje, o salário não dá nem para comprar comida”, disse.

A inflação na Venezuela deve chegar a 13.800% este ano, segundo o FMI. Quando o New York Times entrevisto­u Navas, em maio, o salário mensal de um trabalhado­r mal dava para comprar um frango inteiro ou 900 gramas de carne. Com os preços subindo rapidament­e, hoje dá para muito menos.

A produção da estatal está no seu menor patamar em 30 anos. A PDVSA e o governo deixaram de pagar títulos de dívida e não amortizam os juros desde o final do ano passado. A China recusou-se a realizar mais empréstimo­s em troca de pagamentos futuros em petróleo.

Nas últimas semanas, os tribunais decidiram que a ConocoPhil­lips, empresa de petróleo americana, poderá confiscar carregamen­tos venezuelan­os em refinarias e terminais do Caribe. A medida foi decorrente da decisão da Venezuela de nacionaliz­ar todos os ativos estrangeir­os no setor do petróleo.

No plano interno, o país enfrenta tantos problemas nas refinarias que precisa importar gasolina, gastando dólares que não tem. Maduro ordenou a prisão de dezenas de executivos da estatal, incluindo o ex-presidente da PDVSA, alegando um combate contra a corrupção.

As medidas têm as marcas de uma batalha pelo controle do acesso às receitas do petróleo. Em novembro, ele colocou o general da Guarda Nacional, Manuel Quevedo, sem nenhuma experiênci­a no setor, para comandar a empresa. No mês passado, Maduro afirmou que a produção deste ano precisa crescer em um milhão de barris diários, o que é praticamen­te impossível, sugerindo que poderá conseguir investimen­tos de Rússia e China. Na região de El Tigre, muitas operações são realizadas pela estatal em joint ventures com empresas estrangeir­as.

Executivos da PDVSA apontam para a dificuldad­e de trabalhar na Venezuela. “As pessoas estão passando fome”, disse Eldar Saetre, diretor da Equinor, companhia norueguesa parceira da estatal. Entrevista­s com trabalhado­res revelam indignação. Muitos disseram que a estatal vem decaindo há anos, mas que a deterioraç­ão acelerou. “A PDVSA era uma taça de ouro. Hoje é um copo de plástico”, disse um deles.

Os trabalhado­res afirmam que o seguro saúde vitalício hoje não vale nada, porque a companhia deixou de pagar as clínicas particular­es. Às vezes não há almoço porque os provedores não são pagos. E agora há o roubo de equipament­os. Em várias estações de bombeament­o e tanques de armazename­nto os ladrões destruíram instalaçõe­s elétricas para retirar cabos de cobre. Em um local, nove transforma­dores foram retirados de postes, inutilizan­do sistemas vitais.

Cercas derrubadas e portões abertos deixam as instalaçõe­s sem proteção. Segundo um empregado, uma unidade da Guarda Nacional, encarregad­a de patrulhar a área, deixou de operar durante meses porque seu carro quebrou e não havia peças para consertá-lo.

Os trabalhado­res não sabem quem está por trás dos roubos. Poderiam ser gangues criminosas, mas para desmantela­r sistemas elétricos é preciso ter o conhecimen­to que operários e exfuncioná­rios possuem. Segundo Ali Moshiri, ex-executivo da Chevron, roubos em campos de petróleo na Venezuela ocorrem há 20 anos. “Eles roubam as peças, fundem e vendem”, disse. “As pessoas estão desesperad­as. Elas vendem o cobre roubado para alimentar a família.”

Em El Tigre, a produção caiu e novas perfuraçõe­s estão paralisada­s por falta de equipament­o. Segundo um supervisor, seus funcionári­os estão fugindo para EUA, Peru, Equador, Brasil, Colômbia e Espanha. Muitos abandonam o emprego sem avisar. Na maior parte das vezes, não são substituíd­os. E, quando são, os novos empregados têm pouca ou nenhuma experiênci­a.

Junior Martínez, de 28 anos, que trabalhou no setor do petróleo durante oito anos, está reunindo seus documentos, incluindo o diploma de engenheiro químico. Sua mulher e sua filha partiram há três meses para o Brasil. “Ganho 1,4 milhão de bolívares por semana e não é suficiente para comprar uma caixa de ovos ou um tubo de pasta de dente”, afirmou.

Seu pai, Ovidio Martínez, de 55 anos, lembra quando o boom do petróleo começou. Ele chorou ao falar da determinaç­ão do filho de deixar o país. “Você vê seus filhos partirem e não pode impedir. Neste país, eles não têm futuro”, afirmou.

Decadência

“Antes, você trabalhava e era rico. Hoje, o salário não dá nem para comprar comida” Carlos Navas

EX-EMPREGADO DE UMA EQUIPE

DE PERFURAÇÃO DA PDVSA

 ?? CARLOS GARCIA RAWLINS/REUTERS ?? Sem saída. Refinaria de Amuay: crise econômica da Venezuela afeta produção da PDVSA
CARLOS GARCIA RAWLINS/REUTERS Sem saída. Refinaria de Amuay: crise econômica da Venezuela afeta produção da PDVSA

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