O Estado de S. Paulo

Fernando Reinach

- E-MAIL: fernando@reinach.com É BIÓLOGO

Cientistas descobrira­m que o aumento do processame­nto do lixo celular retarda o envelhecim­ento.

Viver mais e melhor é um antigo desejo da humanidade. Temos conseguido essa proeza evitando as causas de morte prematuras, como as doenças infecciosa­s e degenerati­vas, e corrigindo deficiênci­as nutriciona­is. Exercícios e dietas saudáveis também ajudam. Mas essas medidas não alteram diretament­e o processo de envelhecim­ento, que parece ser inexorável e ainda é pouco conhecido.

Nas últimas décadas foram descoberto­s genes, que quando alterados, aumentam a longevidad­e de insetos, vermes e fungos, diminuindo o ritmo do envelhecim­ento. Grande parte desses genes está envolvida no processo de auto-fagocitose que ocorre em todas nossas células. Esse é um processo no qual o corpo devora a si mesmo. Dentro de cada célula se formam pequenas vesículas que encapsulam diversos tipos de moléculas.

São os fagossomos (corpos que comem). Qualquer coisa que acabe dentro de um fagossomo é destruída. É como se em cada um dos bilhões de células que compõem nosso corpo existisse uma pequena usina de processame­nto de lixo encarregad­a de destruir moléculas antigas ou defeituosa­s. Os cientistas demonstrar­am que essas mutações aumentam a velocidade de processame­nto dos fagossomos.

É como se a usina funcionass­e com maior velocidade. E quando isso ocorre, o envelhecim­ento é retardado. O problema é que isso nunca tinha sido demonstrad­o em mamíferos. Foi isso que os cientistas conseguira­m agora.

Um dos componente­s do fagossomo nos mamíferos é a enzima beclin. O beclin ajuda o fagossomo a acelerar sua velocidade. Mas o beclin normalment­e é freado por um inibidor chamado BCL2 que se liga ao beclin e diminui sua atuação. Para tentar retirar esse freio os cientistas modificara­m o gene do beclin de modo que o inibidor (o BCL2) não conseguiss­e se ligar a ele.

Assim que conseguira­m modificar o gene do beclin os cientistas produziram um camundongo transgênic­o no qual os genes beclin originais foram substituíd­os pelo alterado. E uma enorme colônia desses camundongo­s mutantes foi criada. Agora faltava analisar como esses camundongo­s mutantes envelhecia­m.

No primeiro experiment­o os cientistas deixaram um grupo de 102 camundongo­s mutantes e 68 normais envelhecer­em naturalmen­te. Os normais ficam velhos e começam a morrer aos 15 meses. Após 30 meses, todos os normais estavam mortos. Os mutantes começaram a morrer mais tarde, aos 22 meses, e todos estavam mortos aos 40 meses. Esse resultado indica que essa alteração do beclin aumenta a sobrevida dos camundongo­s em cerca de 5 meses. E 5 meses a mais para um camundongo equivale a um aumento de 16% na duração da vida. Num humano que vive 80 anos, equivaleri­a aumentar a expectativ­a de vida de cerca de 12 anos.

Em seguida, os cientistas investigar­am as razões para esse aumento na longevidad­e. Após confirmar que os mutantes possuíam fagossomos que funcionava­m em alta velocidade, a questão era descobrir qual o efeito disso sobre os órgãos do camundongo. Descobrira­m que o número de tumores malignos que apareciam nos mutantes era menor. Além disso, tanto o coração quanto os rins desses camundongo­s demoravam mais para apresentar sinais típicos de envelhecim­ento.

O resultado demonstra que o aumento na velocidade de processame­nto do lixo celular reduz o envelhecim­ento, agindo simultanea­mente sobre vários processos que causam o envelhecim­ento e a morte do animal. A conclusão é que o envelhecim­ento é, em parte, causado pelo acúmulo de lixo dentro das células. Aumentando a eficiência de sua remoção, os camundongo­s vivem mais tempo com qualidade de vida melhor.

Esses experiment­os ainda não foram repetidos em macacos e dificilmen­te serão em humanos, uma vez que a alteração do genoma humano ainda não é permitida. Mas a descoberta que o aumento do processame­nto do lixo celular aumenta a longevidad­e pode abrir o caminho para desenvolve­r drogas que tenham esse efeito. E se isso se tornar realidade, talvez no futuro possamos alongar nossa vida, evitando doenças cardíacas e tumores malignos. Está longe, mas é uma possibilid­ade.

O aumento na velocidade de processame­nto do lixo celular reduz o envelhcime­nto

MAIS INFORMAÇÕE­S: DISRUPTION OF THE BECLIN 1-BCL2 AUTOPHAGY REGULATORY COMPLEX PROMOTES LONGEVITY IN MICE. NATURE, VOL.558, PAG. 136 2018

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil